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Temporada 2 - Status #165 (Março 2025)

 Com a autorização da revista internacional de improviso Status, Luana Proença e Davi Salazar traduzem e gravam em português o conteúdo mensal da revista. 

SIM, existe uma revista mensal sobre Impro que questiona e valoriza o que fazemos, E seu conteúdo é disponibilizado em português AQUI por escrito, e em áudio em nosso PODCAST no Spotify: Revista Status - PT.

A revista STATUS é publicada mensalmente e virtualmente em espanhol, inglês, italiano e francês. Informações e assinaturas: https://www.statusrevista.com/





A tradução da revista é feita em linguagem de gênero neutra, sem a identificação de gênero do sujeito das orações quando generalizado. 



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OPINIÃO

COLOQUE OS ÓCULOS (ROXOS)

por Fenã Ortalli


O gênero de atletas influencia a percepção de qualidade por parte de quem assiste?


Essa foi a pergunta feita por uma equipe de pesquisa da Universidade de Zurique.


A resposta? Os estereótipos com os quais vemos o futebol feminino e masculino condicionam a avaliação que fazemos deles.


O experimento foi simples. Foram mostrados a 613 pessoas dez gols marcados por atletas de futebol de elite - cinco mulheres e cinco homens - e elas tiveram que classificá-los. Um grupo assistiu às jogadas como elas aconteceram, sem modificações, enquanto o outro grupo assistiu aos mesmos vídeos, mas com o gênero de quem jogava pixelizados e imperceptíveis.


As pessoas participantes classificaram melhor os gols dos homens, mas somente quando sabiam que estavam assistindo a eles. Quando o gênero não era identificável (não sabiam se estavam assistindo a mulheres ou homens), as classificações eram muito semelhantes.


Convincente, certo? Agora, poderíamos extrapolar esses resultados para a improvisação?


Durante anos, o mundo da impro foi dominado, pelo menos em termos quantitativos, por homens. E esse domínio masculino tem muito a ver com a forma como o desempenho de quem improvisa é analisado.


"As mulheres não são tão rápidas", "As mulheres são melhores em formatos longos", "É porque é mais difícil para você ser engraçada". Essas são algumas das frases que nossas colegas ouvem com frequência.


Esses tipos de preconceitos e suposições acabam condicionando tanto o desempenho das mulheres improvisadoras quanto as expectativas do público. Se isso é o que elas "têm de fazer", então não se espera que elas façam outra coisa.


Nossa percepção é sempre condicionada pelos parâmetros predominantes. É impossível se isentar deles. Mas o que podemos fazer é registrar, analisar e, ocasionalmente, mudar os óculos que usamos para observar essa realidade.


E mudar isso.


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BIO

SÓFOCLES


Sófocles (a.C. 497/496 - inverno de 406/405 a.C.) foi um dos mais famosos dramaturgos(1) da Grécia antiga.


Filho de um rico fabricante de armaduras, Sófocles teve uma criação privilegiada que lhe proporcionou educação em artes, literatura e música.


Aos 28 anos de idade, Sófocles obteve seu primeiro grande sucesso ao vencer a prestigiosa competição teatral dionisíaca em 468 a.C., derrotando o lendário dramaturgo Ésquilo. Essa vitória marcou o início de uma carreira prolífica que o levaria a compor aproximadamente 123 peças, das quais apenas sete sobreviveram em sua totalidade: "Ajax", "Antígona", "Trachiniae", "Édipo Rex", "Electra", "Filoctetes" e "Édipo em Colono".


As tragédias gregas normalmente apresentavam apenas dois atores(1). Sófocles incluiu um terceiro ator(1) que permitiu interações e diálogos entre as personagens, criando uma narrativa mais complexa e dinâmica. Ele também era conhecido por sua capacidade de criar personagens profundas e cheias de nuances. Esse foco no desenvolvimento individual das personagens foi um desvio das narrativas mais orientadas para o enredo de seus antecessores.


Embora o coro sempre tenha sido um elemento central do teatro grego, Sófocles refinou sua função para aumentar o efeito dramático. Ele usou o coro não apenas para comentar a ação, mas também para refletir os tons emocionais e temáticos da peça, criando assim uma experiência mais envolvente para o público.


Sófocles também é insuperável em seus momentos de alta tensão dramática e em seu uso revelador da ironia trágica, o contraste em que o público tem conhecimento de informações críticas ou do destino de uma personagem que as próprias personagens desconhecem, ampliando a tragédia à medida que os eventos se desenrolam.


"Se alguém conta com um dia de antecedência ou até mais, não está pensando. Pois não pode haver amanhã até que tenhamos passado com segurança o dia que ainda está conosco." (As mulheres de Trachis)


(1) Nota da tradução: o masculino é empregado aqui propositalmente na generalização porque as mulheres na Grécia Clássica não eram consideradas cidadãs (logo, não faziam parte das decisões políticas democráticas) e não podiam ser dramaturgas ou atuar.


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ENTREVISTA

PAU FARÍAS

por Feña Ortalli


"A paixão encontra a alegria do corpo e a expressa através do ofício."


Pau Farías improvisa há mais de duas décadas, mas, em suas próprias palavras, ela está sempre descobrindo coisas novas. Durante a pandemia, ela descobriu que a improvisação pode ajudar as pessoas além do palco e, desde então, ela vem explorando os dois mundos: presencial e online, com o mesmo profissionalismo e paixão.



O que há de especial na improv que cativa as pessoas que a experimentam?


É espontânea, é viva, é no presente. Tem o benefício do aqui e agora e cria um vínculo com as pessoas que a vivem e praticam. Ela conecta você com a brincadeira! Mesmo quando adultas (e ainda mais para adultas), as pessoas redescobrem que ainda podem brincar, algo que tinham esquecido e não acreditavam que poderiam continuar fazendo.



Essas coisas te cativaram há mais de 20 anos?


Sim, eu fazia um teatro muito mais estruturado, com texto, com repetição... e a improv me desafiava a criar no momento, a me desconstruir, a ser mais flexível. E era maravilhoso não ter que decorar um texto, eu sempre odiei decorar!


Tinha outro lado maravilhoso, que era que eu podia dizer o que eu quisesse, como eu quisesse, o conteúdo era eu quem decidia e isso é incrível.


Nem tudo foi maravilhoso, claro, no começo havia mais adrenalina, medo de não conseguir inventar, medo de errar ou de não ser criativa, e isso me desafiava também... a não me julgar, a brincar mais e a pular na piscina quase sem pensar, a apelar para aquela outra criatividade mais inconsciente... era quase um desafio do meu desenvolvimento pessoal.



Houve um ponto de virada? Um momento em que você percebeu que poderia seguir com isso profissionalmente?


Sinceramente, era tudo meio que um jogo; nunca pensei que faria isso profissionalmente. Eu sabia que seria atriz, comunicadora, sem dúvida. Eu sabia desde muito jovem que meu desejo era estar no palco, atuar, falar, interpretar...


Mas a improv veio por acaso, eu não a procurei, como as melhores coisas da vida que vêm por acaso, e eu me envolvi sem perceber. Então, apareceram amizades com quem eu me conectei tanto dentro quanto fora do palco; então uma viagem, um verão, um festival, e tudo começou a se encaixar. Nenhuma projeção, apenas adaptando e propondo, como a técnica em si.


Em um momento eu disse: "Não posso continuar com esse trabalho de escritório se eu quiser ter liberdade para viajar, ir a festivais, me apresentar em eventos a qualquer hora e em qualquer dia do ano." Então eu pedi demissão, pulei no vazio — esse é o verdadeiro salto no vazio — (risos), e entrei no mundo da autogestão e do empreendedorismo muito antes de perceber que teria um negócio.



Com o Improcrash, você alcançou algo difícil de atingir no mundo da improv: sucesso consistente e longevidade. A que você atribui isso?


Com o Improcrash, vivemos tantas eras! Sinto como se tivéssemos vivido várias vidas dentro da mesma vida. Mas vou resumir os pontos que acredito que nos permitem continuar nos encontrando e curtindo o palco como se fosse a primeira vez.


Há algo mágico e fortuito que acontece, ou não acontece, assim como nos relacionamentos, e para isso, não há receitas. É uma química que ou acontece ou não, e para nós, acontece. Temos a sorte de continuar a nos surpreender no palco, rindo muito... não é fácil rir com qualquer pessoa, e continuamos rindo muito com, e de nós mesmos.


Passamos por muitas crises, mudanças, perdas, brigas, tudo. E para isso, existem receitas: terapia. Terapia individual e terapia em grupo. Como grupo, fomos à terapia, e lá, conversamos sobre tudo. Às vezes, brigamos, nos insultamos, ou ficamos em silêncio. Mas a terapia é ótima porque ajuda a revelar a verdade; se você quer continuar ou ir embora. E então tudo se ajeita por si só...


Há também um elemento de acaso no desenvolvimento e crescimento pessoal do grupo. Houve momentos em que nos afastamos porque cada uma de nós estava em um lugar diferente, momentos em que nos aproximamos, momentos em que assumimos papéis diferentes. Eu poderia falar muito sobre a chave ser dizer tudo, ter conversas difíceis, ouvir umas às outras; mas não acho que seja isso que nos mantém no conjunto. É simplesmente o fato de que no palco, somos pessoas jogando, e nosso único objetivo é nos divertir. Sejam 10 ou 1000 pessoas, nos divertimos da mesma forma. Seja online ou pessoalmente, nos divertimos da mesma forma. Seja um evento para magnatas do petróleo ou para crianças em uma escola rural, nos divertimos da mesma forma.



Essas mudanças e diferentes estágios levaram você a explorar a improvisação aplicada fora do palco. Como surgiu essa ideia?


Quando você começa a se aprofundar cada vez mais em uma disciplina, não consegue separá-la das outras, e ela começa a permear todo o seu mundo.


Quando você começa a praticar improv, vive improv, respira improv, você acaba incorporando isso em todos os lugares. Isso se torna uma filosofia de vida, um modo de viver. É como humor...


Já fazíamos muitos eventos e treinamentos em empresas e instituições, trabalhando com grupos usando técnicas de improv, então eu já tinha a mentalidade de que a improv poderia contribuir para qualquer ambiente de grupo.


Durante a pandemia (quando não pude dar aulas ou fazer espetáculos), comecei a fazer vídeos no YouTube sobre exercícios, jogos de improv e criatividade, dinâmicas, etc. As pessoas que começaram a me pedir ajuda eram docentes, educadoras, facilitadoras, pessoas que trabalhavam com grupos que precisavam de dinâmicas eficazes e disruptivas. Então, comecei a oferecer minha ajuda a elas. Também foi uma coincidência; nunca imaginei que estaria falando para esse público — simplesmente respondi a uma demanda, e aqui estamos.


É maravilhoso porque quando a pandemia acabou e comecei a fazer reuniões presenciais, muitas dessas pessoas docentes vieram e me agradeceram muito porque sentiram que eu tinha "salvado suas vidas" com minhas contribuições... É realmente emocionante.



Se você tivesse que escolher UMA única ferramenta ou conceito de improv, qual seria?


Aceitar. Eu sei que isso até gera muita polêmica e há opiniões diversas (risos), mas para mim é fundamental treinar a aceitação.


Primeiro, porque não temos o costume de dizer sim às propostas das outras pessoas na vida real, então precisamos de um esforço dobrado para automatizar isso. Segundo, porque ao aceitar, dizer sim, empurramos a criatividade para criar, ela não tem outra escolha. Terceiro, porque aceitar não significa apenas dizer sim, mas também integrar as diferenças, não julgar, não pré-julgar, não escolher “a melhor ideia”.


Além disso, dizer sim faz com que a outra pessoa ganhe confiança em si mesma e nos aproxima das outras. E quando uma pessoa individualmente ganha confiança porque dizemos sim, todo o grupo ganha confiança.



Por que você diz que isso gera controvérsia?


Porque existem exercícios sobre negar a proposta (eu os conheço, mas não os pratico) e porque às vezes surgem debates em termos de "se eu não quero fazer uma determinada ação, por que devo dizer sim para tudo?"


Por quê? Para evitar julgar a ação antes que ela aconteça; é por isso.


Às vezes atribuímos interesses ou gostos pessoais às nossas personagens e perdemos um mundo de possibilidades.



Às vezes, quando nos aprofundamos em uma atividade, deixamos outra de lado. Estou me referindo à dualidade atuante/docente. Você sentiu ou já sentiu isso em algum momento?


Passei dois anos em terapia para resolver esse problema!


Embora eu nunca tenha saído do palco, é verdade que, às vezes, o ensino e os workshops ocuparam um espaço maior e me levaram a questionar: “O que eu sou? Sou atriz ou professora? Quero atuar ou ensinar?”


Depois de sessões, interpretações e conversas, um dia tive um insight e entendi: “O que eu quero é me comunicar, me expor, ser vista, ser ouvida, falar; e não importa se estou no palco ou em uma sala de aula, se é na plateia ou com estudantes.” É quase um ato de exibicionismo, e posso dizer isso sem reservas porque sou muito psicoanalisada (risos).


A paixão encontra a alegria do corpo e a expressa através do ofício, então o importante é sustentar esse espaço de alegria que também nos permite nos realizar profissionalmente. Que coincidência incrível!


O segredo é garantir que o prazer não se transforme em obrigações puramente racionais, mas encontrar criatividade e beleza nesses espaços.


É por isso que a improv foi a resposta perfeita para eu estar no palco, porque eu podia criar o tempo todo, porque eu não ficava entediada, porque a energia é constantemente renovada.


Comecei a criar as aulas do meu jeito. Agora, dou aulas intensivas de 5 horas, onde posso me entregar, criar exercícios, e elas são “um tiro único”: você vem, nós exploramos a felicidade, e você vai embora. É uma energia muito pessoal; então, arrisquei e funcionou!


Outra coisa que me deu muito prazer foi descobrir o mundo online e criar uma comunidade ali, num espaço sem fronteiras, sem nacionalidades, motivada apenas pelo prazer de treinar e aprender em improv, atuação e muitas idéias e desejos que me ocorrem e trago para aquele espaço.



Vamos conversar com a atriz por um momento. O que você mais gosta quando improvisa? Que tipo de propostas você mais gosta?


Houve um tempo em que eu gostava (ou talvez não gostasse, mas era natural para mim) de organizar a cena, tentando encontrar lógica nela, assumindo personagens ausentes, intervindo para evidenciar e contribuir de um lugar mais racional e narrativamente correto.


Mas um dia, só para tentar, comecei a entrar no jogo — às vezes sem sentido — proposto por uma colega atriz. Um jogo mais parecido com o da palhaçaria ou simplesmente estar na cena e me divertir sem realmente pensar "aonde essa cena vai nos levar?" Estar presente e aproveitar totalmente o momento com um pouco mais de absurdo.


É disso que mais gosto quando estou no palco. Deixar de lado o papel de organizar a cena ou a história, deixar outra pessoa assumir o comando e simplesmente jogar.



Você tem algum projeto novo chegando?


Temos um novo espetáculo marcado para estrear com o Improcrash. Notícia de última hora! Estreia em um mês, e ainda não anunciamos nada (risos).


Chama-se “Catharsis” (“Catarse”) — parece que a terapia deixou muitas marcas na nossa vida (risos) — e é um espetáculo no qual falamos muito com o público. Ele nos conta anedotas, desejos, medos, lições, e com isso, nós criamos cenas.


Pessoalmente, adoro conversar com as pessoas; faria um espetáculo só com isso. E se pudermos adicionar alguma ficção, desdramatizar seus problemas, trazer humor para as situações difíceis ou angustiantes da vida, rir dos fracassos e da morte; então já vencemos.


Quando tínhamos a Crash Room, havia um grupo de pessoas que sempre vinha com uma placa que desdobravam no início de cada apresentação e dizia: "Vocês são a nossa terapia".


Acredito que, embora não vamos resolver os problemas das pessoas, há algo que o humor cura, permite que você veja as coisas de forma diferente, permite que você fale sobre tudo. E as pessoas ficam incrivelmente gratas quando saem do espetáculo tendo rido tanto. É transformador.


Última pergunta, Pau: Por que você improvisa?


Porque poderei brincar até morrer.



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GENÉTICAS

APAPACHO/CAFUNÉ

por Alicia Pineda e Ester Graf 

sessão coordenada por Luana Proença (luanamproenca@gmail.com


Algumas das práticas pedagógicas comuns na América Latina que sempre me inspiraram em Teatro são as chamadas Desmontagens Cênicas ou os estudos da Genética Teatral. Uma abertura dos processos de criações onde eles são “desfeitos” parte a parte para que possamos ver como se deu a junção daquela obra. Assim, todos os meses eu vou dar espaço para grupos e artistas abrirem suas criações para uma partilha inspiradora. Se você quiser partilhar sobre o seu processo, entre em contato comigo, Luana Proença.


Voltei ao Brasil em agosto de 2024. Em outubro recebi um grande e caloroso convite para fazer parte do elenco nacional de “Cafuné”, versão brasileira (dirigida por Ester Graf) do espetáculo “Apapacho” de Alicia Pineda (México). Foi um abraço especial e muito necessário, pois ninguém ali havia trabalhado comigo ou visto meu trabalho. E o espetáculo também foi um abraço caloroso, com Ester dirigindo-o com muito respeito pelo trabalho de Alicia. Este é um texto escrito por ambas, originalmente escrito metade em espanhol e metade em português, e 100% falando Impro. Alicia é quem começa a abrir os braços para nós.


APAPACHO, UM CALORZINHO QUE NOS ENVOLVE


Tive muita sorte na vida, sempre estive rodeado de mulheres que foram parte fundamental da minha história. Mulheres que me deram força, amor e muita energia linda para continuar fazendo o que amo.


Em 2022, para tentar se recuperar um pouco da pandemia, o Teatro Bellescene organizou um festival de diretoras na Cidade do México que teve como objetivo mostrar a narrativa das mulheres na cena mexicana. Uma amiga querida me convidou para esse (obrigada, Coppelia), mas não tinha espetáculo. Comecei a pensar no que queria dizer neste festival, como íamos conseguir que as pessoas voltassem ao teatro. Primeiro pensei com quem eu queria brincar: minhas amigas. Resposta rápida. Queria que nos reuníssemos novamente, que contássemos coisas que não havíamos contado, que conversássemos, como dizemos no México, que ríamos, que nos divertíssemos. Foi assim que nasceu o “Apapacho”.


Quero deixar evidente que o nome surgiu muito depois. No início chamava-se “Por Amor”, título que apenas transmitia a vontade que tínhamos de voltar a jogar. Foi preciso um festival, uma temporada e um elenco internacional em outro país para eu entender que esse espetáculo ERA um Apapacho.


A palavra Apapacho se tornou muito popular no mundo com seu significado mais popular: do Nahuatl, acariciar/abraçar com a alma. Mas há outra interpretação registrada no dicionário de Rémi Simeón da língua náuatle ou mexicana que está relacionada com “pachoa”, que significa “cobrir ou permanecer coberto, como a galinha que protege e incuba seus ovos”. E esse calor que protege, que cuida, é o que procuro que aconteça dentro e fora do palco.


Deixe-me voltar ao assunto deste espetáculo e como a estrutura surgiu. Trabalhando a improvisação narrativa com Pilar Villanueva, (para mim, a melhor improvisadora do mundo), houve uma parte do espetáculo “Entre Palabras” em que nos tornamos objetos, enquanto o descrevíamos fomos nos transformando nele, adotando sua postura e seu “caráter”; Todas nós fazíamos parte de um determinado lugar onde toda a história aconteceu. Nosso foco foi transmitir que um bule de chá pode ter os mesmos medos de uma pessoa que está muito estressada em casa e está prestes a explodir. Então, tomei essa premissa de converter as características descritivas dos objetos e encontrar quais qualidades humanas podemos transferir para personagens com personalidades específicas, com desconfortos, alegrias, medos, etc. e assim contar suas histórias.


Todo esse processo me fez pensar nos nossos momentos de carinho, de afago, de nos mimarmos. Estes incluem objetos grandes, pequenos e médios que nos acompanham. De certa forma, eles se tornam testemunhas daquilo que vivenciamos. O uso que damos a eles diz muito sobre o que estamos passando. Por exemplo, o bule pode ser meu melhor amigo, cheio de problemas em casa, enquanto eu sou a xícara segurando-o por um momento. Por isso são histórias entre mulheres, porque existe uma empatia diferente, uma confiança que só se gera com aquelas pessoas com quem podemos rir e chorar ao mesmo tempo. Elas são aquele calor que cobre você.


Este é o meu Apapacho. Ainda bem que tocou o coração da Ester Graf e ela levou a experiência para o Brasil, mas vou contar a seguir como recebeu esse Apapacho Mexicano.


***


¡Gracias, Alicia! Em 2023 me aventurei no 12º Diplomado Internacional de Improvisación Teatral, da Universidad El Bosque, em Bogotá (Colômbia). Era um sonho sendo planejado há pelo menos dois anos e que eu mal acreditava que estava dando certo. Foram sete semanas de estudo intenso e de muita reflexão sobre o trabalho que eu havia desenvolvido até então como improvisadora e de como eu gostaria de seguir construindo a minha carreira nesta linguagem. Deste Diplomado levo comigo algumas experiências que guardo no coração, como a pesquisa solo que se iniciou do Diplomado, “Chronica Mortis”, os belíssimos lugares que visitei e que me proporcionaram conectar de forma mais profunda com a terra que habito e as vezes que pisei no palco e ultrapassei as barreiras culturais e do idioma com meus colegas, onde logramos sentir essa conexão tão profunda que é o jogo, a cena e o estar no aqui e agora.


Uma dessas foi “Apapacho”, ocorrida no Tribu Art Club, gerenciado pelo querido Rojo. Desde o começo, Alicia nos guiou com segurança pelas premissas do formato, despertando o melhor da nossa espontaneidade. O formato segue uma linha de construção orgânica, onde a improvisadora e o público compartilham do momento de construção das personagens que entrarão em cena. As cenas evocam nada além daquilo que já se conhece em cada repertório, trazendo uma base para as improvisadoras que, agora que já sabem como são as personagens, podem seguir com confiança e deixar fluir o “quem”, o “onde” e o “o que”, deixando o público saber detalhes de seu cotidiano, antes secreto. Essa fluidez e simplicidade me impressionaram muito e, assim como a experiência como um todo, me mostraram que a criação de formatos longos não precisa ser um grande evento inalcançável, como se a experiência nunca fosse o suficiente para se arriscar na experimentação de algo. Senti também que estava isolada e que outros países, onde a barreira idiomática não representava de fato uma barreira, conversavam e experimentavam muito mais, e a troca de conhecimentos é mais pungente.


De volta ao Brasil, percebi que tudo o que aprendi significou uma transformação em maior ou menor escala. Em 2024, Julye, pesquisadora da Impro, publicou o chamamento de inscrição para o Festival The Impro (São Paulo) que estava produzindo com Gabriel Boso. No mesmo momento me lembrei da experiência que tive com “Apapacho” e de como seria muito significativo poder romper as barreiras que tanto senti me afastarem do resto da América Latina. Solicitei à Alicia autorização para realizar o formato no Brasil e, para minha alegria, ela aceitou. Percebi que por aqui a palavra “cafuné”, que também não possui tradução literal para o idioma espanhol, poderia estreitar os laços da plateia com a concepção original de “Apapacho”. Segui recrutando as que seriam minhas companheiras de palco e de uma musicista para acompanhar a apresentação e fiquei muito alegre novamente, já que minhas colegas aceitaram e apostaram na ideia e no formato. Um elenco só de mulheres, onde poderíamos mostrar histórias, construções de cena, entendimentos e significações do ponto de vista da vivência em um corpo feminino.


Mas ainda havia um grande desafio: a direção. Minhas experiências anteriores haviam sido carregadas de tensão e mal estar, muito porque eu ainda carregava o olhar de que me faltava experiência para acreditar no meu trabalho. Foi preciso lembrar de como me senti em relação a formatos longos durante o Diplomado e de como é preciso deixar de acreditar que um dia eu acordaria pronta para dirigir um espetáculo como se fosse um aniversário de 18 anos. Lembrei do texto de Jorge Larrosa Bondía, onde ele nos lembra que se abrir para a experiência, é estar vulnerável. Foi exatamente assim, vulnerável, atrasada e completamente molhada por uma trovoada que me pegou de surpresa que cheguei ao apartamento da Julye e da Karina em São Paulo, local cedido pelas duas para nosso ensaio.


Manu Pestana, Tamara Borges, Karina Scariott (as três de São Paulo/SP), Luana Proença (Brasília/DF), Ju Herculano (Curitiba/PR) e eu (Blumenau/SC) havíamos decidido em reunião prévia on-line que nosso figurino seria composto por pijamas, pois queríamos que a proposta reverberasse também no afago de uma roupa confortável. Pra mim era importante que as atrizes pudessem se ver no espetáculo e que se divertissem fazendo. O objetivo maior era que elas pudessem sentir a leveza desse formato da mesma forma que eu senti e que elas pudessem, mais do que focar em técnica, soltar a espontaneidade para propor sem se preocuparem se estavam fazendo certo ou errado.


Alguém sugeriu de começarmos compondo uma cena com afagos e carinhos enquanto o público entra. Outra sugestão foi que, como estávamos em uma festa do pijama, poderíamos fazer um jogo de adivinhação no começo durante a primeira rodada de monólogos. Já que estávamos entre mulheres em um espaço íntimo, como um encontro entre amigas, não deveríamos boicotar os temas mais escatológicos e estapafúrdios que pudessem surgir durante a rodada de cenas. Tudo foi levado em consideração e, assim, fomos construindo juntas um espetáculo. Os monólogos finais foram um dilema também, mas que logo se resolveu: ao invés de uma a uma entrar e sair de um foco de luz, resolvemos ficar todas juntas compondo uma grande fotografia do apapacho/cafuné que haveríamos de homenagear no palco. Andrés Giraldo foi a pessoa que nos socorreu no momento em que nenhuma musicista mulher estava disponível para esta apresentação, por quem sou muito grata, cujo talento e abertura fez dessa apresentação realizada a concretização de uma viabilização antes apenas sonhada.


Essa apresentação de “Cafuné” é, até hoje, um grande apapacho pra mim. Com a permissão de Alicia, pretendo dar continuidade às apresentações deste formato coletivo no Brasil, quem sabe até em outros países e espero que um dia esta versão de seu “Apapacho” seja também um gostoso cafuné para Alicia.


Alicia Pineda (Directora de Por Puro Gusto)

Ester Graf (Pinoia - Operárias da Impro)



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IMPROMUNDO

POR QUE ME É DIFÍCIL DIZER QUANDO COMECEI A IMPROVISAR?

por Luana Proença


Quando me perguntam quando comecei a improvisar sempre é difícil. Consigo datar quando comecei a fazer Impro, que é como eu especifico a articulação da improvisação como espetáculo. Mas o improviso está comigo desde sempre. Eu faço teatro desde os 3 anos. Improvisação sempre esteve, sempre foi teatro. Talvez por não saber ler, talvez porque os jogos da Viola Spolin já eram fortes no Brasil para a pedagogia infantil (para além do teatro), talvez porque num país com grande grau de anafabetismo trabalhar a partir de um texto escrito seja opressor, há também a vergonha de ler em voz alta. Talvez porque em países da América Latina que sofreram com as ditaduras militares com forte censura aos edifícios e textos teatrais, a improvisação tivesse sido rebeldia, sobrevivência, (r)existência.


Mas ainda é mais profundo que isso. O ato vivo do teatro é improviso. E a maneira como eu aprendi teatro foi numa filosofia e ideologia de Augusto Boal (1931-2009), diretor, dramaturgo brasileiro, criador do Teatro do Oprimido. um entendimento muito democrático e político do que é arte, do que é ser arte diferente do que é fazer arte e ser artista. E como isso, um grande respeito por quem se dedica ao ofício. Craig Cackowski, improvisador estadunidense, no meu documentário “Era preciso ouvir outras vozes” (2019), comenta que uma das questões especiais da Impro é que alguém pode olhar para o palco e pensar: “Ei, eu posso fazer isso!”. E há algo de muito democrático neste reconhecimento do que é a vida no palco. Porque se é vida e eu vivo, eu talvez também possa. Mas, na ingenuidade dessa abertura linda e democrática da arte, por vezes caímos na armadilha de depreciar o ofício, o seu fazer, o trabalho de quem se dedica profissionalmente. Como? Pensando que porque abriga toda a gente, toda gente simplesmente sabe o que está fazendo no palco.


E aí me deparei com uma fala do Boal em entrevista para o Programa de TV “Encontro marcado com a Arte” da IBM, dirigido por Jorge Brennand Jr., em 1998. Nessa fala, eu encontro tanto Teatro, tanta Impro (mesmo que ele não estivesse falando sobre isso), tanta humanidade e tanto respeito pelo ofício. Acredito que também encontrei o porquê de não conseguir dizer quando comecei a improvisar. E imagino a potência das nossas aulas e produções se a visão de Boal for compreendida por estudantes, docentes e profissionais. Entender o valor e importância do que fazemos ao entender porquê fazemos e como fazemos. Então deixo-lhes com as palavras de Augusto Boal para lhes provocar os pensamentos:


Todo mundo é teatro, mesmo que não faça teatro.

Uma coisa é fazer teatro e outra coisa é ser teatro. 

Fazer teatro é aprender, em primeiro lugar, um ofício.

Fazer teatro como? Como cenógrafo? Tem que aprender cenografia.

Como ator? Tem que aprender atuação, tem que aprender a usar a voz, tem que aprender a usar o corpo. Você aprende um métier. Você aprende um ofício, não é?

Então você vai para o palco, vai escrever sua peça.

Isso é fazer teatro.


Mas ser teatro, é ser humano. 

O que que é o ser humano diferente dos outros animais?

O ser humano é aquele que carrega em si o ator e o espectador de si mesmo.

Quer dizer, no momento que eu estou falando com você, eu estou agindo. Eu estou agindo, isso é ação. Então eu sou um ator, mas eu estou me observando muito bem.

Eu estou vendo a minha… mão [mexendo], eu estou vendo o meu corpo, eu estou ouvindo a minha voz, eu estou coordenando o meu pensamento.

Então eu sou o ator, mas eu sou o espectador de mim mesmo. 

O espectador privilegiado, porque eu sou também o escritor do meu texto. Eu sou um dramaturgo no momento em que eu estou falando esta parte do diálogo que cabe a mim, sou eu que estou compondo essa parte. 

Então eu sou o meu escritor, eu sou o meu… figurinista, eu estou vestido com essa camisa porque eu achei que seria melhor para esse programa. Entende? Então fui que botei essa… Então eu sou o meu figurinista.


E para dirigir essa gente toda que eu sou, eu tenho que ser também o meu diretor.

Então cada um de nós é tudo que existe dentro do teatro. 

E a linguagem que a gente usa é a linguagem que o ator usa no palco.

Só que ele tem consciência de que está usando essa linguagem.

Na vida real, nós não temos.


Fonte: https://www.instagram.com/reel/DEAkTfXRz7M/?igsh=N3c4eGdlMXlqNzY= 



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IMPROLECTORA

IMPRO: IMPROVISATION AND THE THEATRE

Pamela Iturra (impro.lectora@gmail.com)


Este livro clássico de improvisação é uma experiência que vale a pena repetir. O livro ganha novas dimensões a cada revisita, dependendo da fase de seu processo criativo. Keith Johnstone, diretor de teatro rebelde, questionador da vida e criador da improv(1), compartilha neste texto ideias fundamentais da técnica, como o conceito de Status, que dá nome e significado a esta publicação.


O LIVRO


Impro: Improvisation and the Theatre” é o primeiro livro de Keith Johnstone e foi publicado em 1979 pela Routledge. Possui inúmeras edições e traduções oficiais em espanhol, alemão, italiano, francês, entre outros idiomas, sendo o livro de improv(1) mais conhecido em todo o mundo. É composto por cinco capítulos escritos em prosa, nos quais o autor relata a origem e o desenvolvimento de sua técnica por meio de sua experiência. No primeiro capítulo, Keith compartilha uma série de ideias sobre a atividade criativa das pessoas; questiona as técnicas tradicionais usadas por quem treina pessoas atrizes e diretoras de teatro; e faz propostas interessantes para reconceituar não apenas o papel de artistas teatrais, mas de um ser humano como criador. No segundo capítulo, ele se aprofunda no conceito de status, explicando-o na vida e no teatro e narrando o processo de treinamento para reconhecê-lo e usá-lo. No terceiro capítulo, o autor se refere à espontaneidade, no quarto, às habilidades narrativas, e no quinto, à sua experiência de trabalho com máscaras. Em cada capítulo, ele explica suas ideias, narra experiências, reflete e compartilha exercícios de forma descritiva, tornando possível não apenas entender a técnica, mas também acompanhar com maestria o processo criativo de pessoas atrizes improvisadoras.


O AUTOR


Keith Johnstone (1933-2023) é conhecido como o pioneiro da improv(1) na Europa, no Canadá e em grande parte do mundo. Professor, dramaturgo e diretor de teatro britânico-canadense, ele sempre se rebelou contra as estruturas e dedicou sua vida a quebrar as regras. Quando teve a oportunidade de começar a ensinar atuação, ficou comovido com a falta de prazer e espontaneidade de artistas e começou a desenvolver técnicas para restaurar a capacidade criativa que docentes haviam tirado com seus tecnicismos e hierarquias. As sessões de treinamento eram um prazer tanto para o elenco quanto para o diretor, então eles começaram a apresentá-las. Foi assim que a improv(1) surgiu com Keith Johnstone. Ele fundou a companhia "Theatre Machine" e fez turnês pela Europa e América do Norte. Mais tarde, ele emigrou para o Canadá, onde fundou a "Loose Moose Company" e criou o "Teatro Esporte", entre muitos outros formatos. Escreveu dois livros sobre improv(1) e centenas de peças. Ele é lembrado como um irreverente, à frente de seu tempo, um professor, um guia, um professor pioneiro, um criador e um libertador de pessoas criativas. Seus livros contêm duras críticas ao mundo do teatro e à educação tradicional, além de reflexões profundas sobre o desenvolvimento do ser humano, seus relacionamentos e sua natureza criativa.


A EXPERIÊNCIA


Ler Keith é inspirador. Foi o primeiro livro de improv(1) que li quando comecei a me aprofundar na técnica, e me apaixonei pela sensibilidade e ética presentes em suas páginas. Acho que é uma leitura essencial para qualquer pessoa educadora e qualquer artista porque articula coisas que intuímos e sobre as quais Johnstone refletiu, pesquisou, explorou e teorizou ao longo de sua vasta carreira. Por exemplo, o papel crucial que a bondade e a humildade de uma pessoa diretora de teatro desempenham para que seu elenco possa confiar, explorar, criar e fazer seu melhor trabalho. Outro exemplo: a capacidade de criar é um atributo natural e universal que a sociedade nos ensina a cortar desde a infância. Ou que, se observarmos as pessoas, todos os seus movimentos e ações indicarão seu lugar (tanto concreto quanto simbólico) em relação ao seu ambiente, seu status. Keith Johnstone nos lembra do valor da coletividade na improv(1), que devemos investir tempo na construção da confiança para alcançar a coragem de nos entregarmos totalmente às outras. Ele nos ajuda a entender que contar a melhor piada, ser a mais espirituosa, não são coisas da improv(1), mas do ego. Ele nos inspira a nos conectarmos com o valor central da improv(1), que é criativo e coletivo, que é o jogo, que é uma forma de viver nossa humanidade.


CINCO MOTIVOS PARA LER O LIVRO


1. Irá aumentar sua rebeldia contra o sistema e você irá curar um pouco sua criança interior.

2. Você compreenderá profundamente o conceito de status e por que ele é fundamental para a improv(1).

3. Você encontrará exercícios básicos para aumentar a espontaneidade, que é a raiz do seu trabalho.

4. Você descobrirá como fortalecer sua equipe para contar histórias.

5. Você conhecerá o velho Keith e sua visão, que é a raiz da técnica. Se você ainda não se apaixonou por improv(1), este livro será um divisor de águas.


DÊ UMA OLHADA


"A esta altura, deve estar claro para você que as transações de status não interessam apenas a quem improvisa. Quando se entende que cada som e cada postura implicam um status, o mundo é percebido de forma bastante diferente, e o caminho provavelmente será permanente. Na minha opinião, quem atua, dirige e escreve dramas realmente bons, são pessoas que têm uma compreensão intuitiva das transações de status que regem as relações humanas."


"As pessoas estudantes precisam ser levadas a acreditar que o conteúdo não é importante e que ele se desenvolve por si só; caso contrário, elas não progridem. É o mesmo tipo de truque usado quando se diz a elas que não são responsáveis pelo que a mente lhes fornece. No final, elas aprendem a abrir mão do controle, embora ainda o exerçam. Elas começam a entender que tudo é apenas uma casca. Elas precisam ser enganadas para se isentarem de responsabilidade. Então, muito mais tarde, adquirem a força para assumir a responsabilidade por si mesmas. Nesse momento, elas têm um conceito mais preciso de quem são."


(1) Nota da tradução: quanto ao uso do termo “Improv” para designar o trabalho de Keith Johnstone, ele mesmo declarou em entrevista à “Status” (n.97, ano 9, julho de 2019): “A Impro é inglesa e a Improv é estadunidense.”, apontando que havia, para ele, uma diferença entre Impro (o que ele fazia) e Improv (o que se faz nos EUA).


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IMPROLISTAS

GUIA DE SOBREVIVÊNCIA EM FESTIVAIS DE IMPROV

por Chris Mead (hello@chrismead.co)


Já tendo participado de alguns festivais internacionais de improv, pensei em fazer uma lista rápida de recomendações (algumas sérias, outras irônicas) para quem improvisa e que está se aventurando em sua primeira reunião de fiéis da improv.


ELOGIE alguém se você gostou do trabalho dessa pessoa


Se você gostou do que fizeram, vá até lá e diga isso. Agora não é o momento de se acalmar. Elas provavelmente estão preocupadas com a repercussão no público e você pode tranquilizá-las. É sempre bom dizer algo específico também - adorei a parte em que você tocou as sobrancelhas dela é muito mais gratificante do que dizer que você foi genericamente ótima naquele espetáculo.


NÃO vá até a pessoa e diga a ela que odiou seu trabalho


O feedback crítico precisa ser solicitado especificamente e nunca deve ser oferecido sem ser pedido (mesmo que você ache que tem algum conselho útil). E, para sua informação, todos sabem que o fato de parecer que você estava se divertindo muito lá em cima é um código para dizer que seu espetáculo foi horrível.


FAÇA workshops com docentes que você nunca ouviu falar


Há algumas pessoas docentes conhecidas cujos workshops se esgotam minutos após a atualização do site do festival (nós sabemos bem os nomes). MAS, muitas vezes, o verdadeiro ouro dos workshops está nas pessoas improvisadoras que estão ensinando algo ultra específico que elas amam e pelo qual têm uma paixão especial. E ninguém torna seu nome conhecido se não tiver a chance de mostrar ao mundo o que sabe fazer. Portanto, dê uma chance a alguém cuja descrição do workshop seja do seu agrado.


NÃO se desgaste nos primeiros dias


É tentador ficar acordada a noite toda e falar sobre improv até o sol nascer. E o FOMO(1) é real se você tentar se retirar gentilmente mais cedo. Mas conheça as capacidades do seu próprio corpo - não se desgaste nos primeiros dias deixando seu sistema imunológico aberto a qualquer gripe mutante de festival que tenha sido criada por todas aquelas pessoas improvisadoras distantes que se reuniram em um só lugar.


CONVERSE com pessoas que você não conhece, faça amizades, encontre colaborações


Não fique na timidez. Todo mundo quer falar sobre improv. Portanto, se você se der bem com alguém em um workshop, não deixe essa amizade na porta da sala de aula. Vão jantar, sentem uma ao lado da outra no espetáculo principal à noite, conversem sobre o que vocês podem criar em conjunto. Fiz algumas das minhas melhores amizades em festivais e tudo o que precisei foi da coragem de conversar com elas em primeiro lugar.


ADENDO: Certifique-se de que essa energia esteja indo para os dois lados. Não estou defendendo ficar perto de pessoas que obviamente precisam de seu próprio espaço ou que simplesmente não estão a fim de estar (de (improv) com você. Faça um bom julgamento a esse respeito.


NÃO vá embora assim que terminar seu espetáculo


Ah, mas essa é uma questão que me irrita. Não vá a um festival, fique exatamente a duração do seu espetáculo e depois desapareça em um sopro de fumaça. Você não é um presente de Deus para a improv, e a comunidade é importante. Ninguém tem tanto talento que não possa contribuir com o festival de outras maneiras também.


FAÇA uma pausa na improv e aproveite a cidade em que você se encontra


Eu mesmo preciso seguir esse conselho. Já estive nos lugares mais bonitos e prontamente ignorei tudo o que a cidade tinha a oferecer para poder sentar em um bar e falar sobre improv. Mas acho que todas nós poderíamos fazer uma pausa de vez em quando e apreciar os lugares incríveis aos quais a improv nos levou. Em teoria, isso soa bem, certo?


NÃO faça comentários em voz alta no local do evento sobre o que você achou dos espetáculos


Todo mundo tem opiniões. Mas transmiti-las em um espaço onde as pessoas envolvidas com o espetáculo estão quase sempre por perto é uma receita para o desastre. Nem todo mundo precisa ouvir suas opiniões incisivas sobre improv imediatamente. Guarde-as para o trajeto até sua casa ou para o seu podcast.


(1) FOMO - Fear On Missing Out: Medo de Estar Perdendo Algo, Ficando de Fora, etc.

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