Com a autorização da revista internacional de improviso Status, Luana Proença e Davi Salazar traduzem e gravam em português o conteúdo mensal da revista.
SIM, existe uma revista mensal sobre Impro que questiona e valoriza o que fazemos, E seu conteúdo é disponibilizado em português AQUI por escrito, e em áudio em nosso PODCAST no Spotify: Revista Status - PT.
A revista STATUS é publicada mensalmente e virtualmente em espanhol, inglês, italiano e francês. Informações e assinaturas: https://www.statusrevista.com/.
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por Feña Ortalli
O antropólogo britânico Robin Dunbar sugeriu que existe um limite cognitivo para o número de relações sociais significativas que um indivíduo pode manter. Ele estabeleceu esse limite em 150. Este número não se refere ao número total de pessoas que uma pessoa conhece, mas sim, ao número de relacionamentos próximos e significativos que ela pode manter. Dunbar chegou a este número analisando grupos sociais em primatas não humanos e culturas humanas, observando a correlação entre o tamanho do neocórtex (a parte do cérebro responsável pelo pensamento consciente) e o tamanho médio dos grupos sociais. Mas você sabe o que? Não creio que Dunbar alguma vez tenha analisado a comunidade improvisadora. 150? Isso não é nada! Nós, pessoas improvisadoras, desenvolvemos relacionamentos mais significativos durante nossas vidas do que qualquer outra pessoa. E eu gosto disso. E é interessante pensar que o adjetivo “significativo” não está necessariamente relacionado à duração desses relacionamentos, mas à sua intensidade. Tenho orgulho de ter relacionamentos significativos com pessoas que conheci apenas uma vez e com pessoas que encontro algumas vezes por ano. A principal razão pela qual comecei a escrever esta revista, há 150 meses, foi para conectar pessoas. Para construir pontes. Para trocar conhecimentos e experiências. Para promover relacionamentos. Gosto de pensar que a Status é, pelo menos em parte, responsável por nos permitir ir além do número de Dunbar.
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por Feña Ortalli
Edward Albee, (12 de março de 1928 - 16 de setembro de 2016), foi um dramaturgo e produtor teatral nascido nos EUA, mais conhecido por sua peça “A História do Jardim Zoológico” (1958) e “Quem tem medo de Virginia Woolf?” (1962). Albee cresceu na cidade de Nova York e no condado vizinho de Westchester. Ele recebeu sua educação na Escola Choate (formatura em 1946) e na Universidade Trinity em Hartford, Connecticut (1946–47). Albee escreveu contos, poesias e um romance inédito, mas não encontrou voz até escrever peças de teatro. Entre suas primeiras peças de um ato, “A História do Jardim Zoológico” (1959), “A Caixa de Areia” (1959) e “O Sonho Americano” (1961) foram as de maior sucesso e o estabeleceram como um crítico astuto dos valores da sociedade nos Estados Unidos. Albee disse que queria desafiar o público a se sentir desconfortável. “Quero que o público saia correndo do teatro – mas volte e veja a peça novamente”, disse ele. Foi a sua primeira peça completa, “Quem tem medo de Virginia Woolf?” (1962), que continua sendo seu trabalho mais importante. A peça ganhou o Prêmio Tony de Melhor Peça em 1963 e foi selecionada para o Prêmio Pulitzer de 1963. Algumas pessoas da crítica ficaram horrorizadas com as emoções cruas no palco, outras acharam isso revelador. Décadas depois, “Quem tem medo de Virginia Woolf?” é considerada um clássico do teatro moderno. Nos anos seguintes, Albee escreveu uma série de obras completas, incluindo “Um Equilíbrio Delicado” (1966) e “Seascape” (1975). Ambas foram reconhecidas com o Prêmio Pulitzer. Seu terceiro Pulitzer veio quase duas décadas depois, após um período de luta contra o alcoolismo, com “Três Mulheres Altas” (1994), uma exploração de seus sentimentos em relação à mãe por meio de três mulheres retratadas em diferentes fases de suas vidas. O dramaturgo falou sobre sua obra em uma entrevista de 1991 ao New York Times: “Todas as minhas peças são sobre pessoas que perderam o barco, fecharam as portas muito jovens, chegando ao fim de suas vidas com arrependimento por coisas que não fizeram, como oposição às coisas feitas”, disse ele. “Acho que a maioria das pessoas passa muito tempo vivendo como se nunca fossem morrer.” Depois de sofrer uma curta doença, Albee morreu em sua casa em Montauk, Nova York, em 16 de setembro de 2016, aos 88 anos. Ele foi lembrado como um dos principais nomes da dramaturgia de sua geração, conhecido por seu uso distinto da linguagem enquanto desafiava o público a examinar o sofrimento causado pelas tradições sociais convencionais e artificiais.
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por Feña Ortalli
Sara Šoukal é uma performer curiosa. E esse é o melhor tipo de artista. Sempre em busca de novos desafios, inspiração e riscos. Mas não apenas para ficar na superfície, mas para se aprofundar em todas elas, para realmente encontrar e explorar novas formas de expressão. Então, pessoas improvisadoras: Sejam como a Sara. Primeira pergunta, Sara: como você descobriu a improvisação? Tive a sorte de descobrir a impro através da minha mãe. Ela estava, e ainda está, muito interessada em artes performáticas alternativas e era um membro frequente do público de um grupo de teatro alternativo aqui em Ljubljana, que trouxe jogos de impro através de um festival em que se apresentaram em Londres. Depois de voltarem do Reino Unido, começaram a implementar jogos de impro em seus espetáculos e minha mãe e várias outras de suas amizades conversaram com o grupo sobre essa “nova” forma de arte que estavam introduzindo em seus trabalhos e pediram que fizessem um workshop sobre impro. Minha mãe participou e eu estava no teatro com outras crianças cujas mães e pais estavam na oficina, e enquanto observávamos pensamos: poderíamos fazer isso! Logo depois as pessoas adultas perceberam que nós, crianças, estávamos interessadas e organizaram uma oficina também para nós. E então me tornei membro do primeiro grupo infantil de impro e eu fiz meu primeiro espetáculo quando tinha 9 anos. Uma coisa do tipo “me apaixonei à primeira vista”. O resto é história. Tenho improvisado desde então, com exceção de um ano enquanto estava na Universidade. Quando parei de improvisar mas como uma experiência para ver se sentia falta. E, vejam só, eu senti. Uau, então você esteve em contato com impro quase toda a sua vida. O que aconteceu durante aquele ano sem-impro? Bem, artisticamente falando, não muito. Como artista, eu realmente não fiz nada. Mas mergulhei em ser consumidora de qualquer tipo de arte: concertos, galerias, museus, festivais de rua, teatro clássico. E me peguei me imaginando no palco, performando ou até mesmo dirigindo na minha cabeça o que estava assistindo. Eu estava procurando algum tipo de vivacidade no palco e percebi que a impro, entre outras coisas, oferece isso. Aquele ano também me ensinou a ver outros tipos de arte e a me inspirar nelas. Eu comecei totalmente meus estudos naquele ano. Estudei Geografia, me formei em Geografia Política e também me diverti muito com essa experiência. Mas eu estava com muita fome de jogar. E foi bom sentir isso. Porque, como você mencionou, tenho improvisado a maior parte da minha vida: então eu precisava sentir isso em mim, essa necessidade de brincar, e não apenas algo que faço por automatismo. Como você escapa dessa sensação de automatismo? Como você se coloca em risco? Boa pergunta! Acho que cada pessoa tem que encontrar sua própria receita para escapar disso. E, à medida que mudamos com o tempo, a receita também muda. Para mim, acho muito útil mergulhar em outras artes performativas. Fazendo aulas, workshops e apenas me colocando em formas de arte não improvisadas. Dito isto, a improvisação é um método utilizado em todas as esferas da arte. No entanto, sempre fui muito física em palco, por isso procurei projetos e/ou workshops em dança contemporânea. Aí me interessei muito por teatro inventado (devised theater) e idealizei uma peça com uma colega. Participei de alguns espetáculos de teatro de rua; li meus poemas em uma noite de poesia underground; arrisquei e mergulhei no teatro de objetos, e ainda sou fascinada por ele. Ultimamente tenho adorado o trabalho de palhaçaria. E, eventualmente, quero explorar as máscaras e o canto. Isso amplia meus horizontes e praticamente abre um novo mundo de oportunidades de atuação. E é fascinante para mim, como um processo paralelo, quando entro nessas situações, sempre obtenho uma nova perspectiva sobre o que é uma pessoa improvisadora teatral (como um “trabalho”, um papel adequado, estabelecido e reconhecido no mundo das artes performativas). Cada vez que me coloco nessas situações, não só aprendo algo novo sobre uma forma de arte, mas eu também entendo melhor o que é alguém que improvisa. Ah! E ultimamente fui a um espetáculo de drag e me inspirei totalmente nas rainhas no trabalho. Então isso também está em algum lugar da lista de “coisas para experimentar”. É interessante o que você diz sobre a impro ser um método que pode ser aplicado basicamente a qualquer forma de arte. Estamos ensinando isso? O que estamos realmente ensinando? Enquanto faço esta entrevista, ouço um set ao vivo de Miles Davies e Keith Jarret. E é completamente maluco, às vezes quase parece punk. Mas há muita escuta. Reincorporando, voltando à base ou à narrativa, se preferir. Deixar as pessoas brilharem (solos). Pessoas brincando, se divertindo. Pessoas se perdendo. Criar um espaço onde as pessoas possam ultrapassar seus limites e aprender algo sobre si mesmas diante de um público. Acho que todas essas são características de um bom ser humano. Não deixando ninguém para trás. Mantendo a clareza. Ofertas e atualizações de ofertas. Nós (Viola, Del e Keith, falando por toda a comunidade aqui) estamos definitivamente ensinando teatro improvisacional. Para ensinar isso, temos que primeiro ensinar as pessoas como construir uma comunidade, como coexistir nessa comunidade, como serem ativas em uma comunidade, como ouvir, respeitar, etc. Somente quando “o básico” for feito, poderemos passar para a próxima etapa: Improvisação Teatral. Muitas pessoas ficam muito felizes em se divertir no nível básico porque isso já lhes dá muito: aprender como ser humano em uma comunidade através da brincadeira é incrível. E são principalmente jogos e tarefas simples. E aí, o nível avançado, o nível teatral vem mais à frente para quem quer improvisar com as ferramentas e regras que aprendeu. Eu respondi isso? Provavelmente não. Mas eu tentei. Talvez eu devesse escrever um livro sobre isso. Não creio que estejamos tentando ensinar como aplicar a improvisação a outras formas de arte. Ensinamos o que consideramos ser os fundamentos da improvisação para alcançar, executar e fazer improvisação teatral. Mas o básico? Os princípios básicos são os mesmos em todas as formas de arte. Porque exigem as mesmas habilidades e atenção. Não importa se você dança, canta, faz palhaçaria, drag, máscara, etc. Você disse anteriormente que agora gosta de palhaçaria. O que você gosta sobre isso? Oh, cara, a pura emoção disso! Tenho o maior respeito pelas pessoas profissionais da palhaçaria teatral. Palhaçaria é um dos trabalhos performativos mais difíceis que existem (sem diminuir o tamanho de nenhuma outra arte performática, imaginando balé e dança em geral neste momento). Estar no estado de palhaço exige que você, como pessoa, seja tão aberta e vulnerável o tempo todo. E compartilhar seu “fracasso” o tempo todo, mesmo quando você não tem vontade. Você pode ir de zero a heróina, e voltar a zero em um piscar de olhos. É uma experiência tão humilhante. Mas, também, imensamente gratificante. É um chamado exigente. E o conjunto de habilidades que você obtém é alucinante: eu sempre digo que o público é o jogador mais difícil de ler no espetáculo (por muitas razões óbvias). E a palhaça? Ah, a palhaça é uma mestre nisso. Você tem um espetáculo solo. Qual é a coisa mais desafiadora em estar sozinha no palco? Bem, acho que é só isso. Lendo o público. Ser vulnerável ao compartilhar o processo e encontrar nele um valor performativo à medida que avança. Confiar em mim mesma, que sou o suficiente e que tenho tudo o que preciso para relaxar, me divertir e brincar da melhor maneira possível. Você tem uma alma gêmea improvisadora? Uma pessoa com quem você adora improvisar? Não faça isso comigo! Cara, é claro, alguns nomes apareceram imediatamente. Mas não quero dar nomes. Parece estranho. Existem alguns raros que me mantêm inspirada, e eu também os mantenho inspirados. Esperançosamente. E depois há estas maravilhosas pessoas improvisadoras totalmente desconhecidas do mundo da impro: como esta jovem que se juntou a mim no palco num festival específico aqui na Eslovénia, em Julho. Nós nos divertimos muito jogando juntas. Fluxo incrível. No final, sejamos cafonas, por que não, você tem que ser sua própria alma gêmea improvisadora. Se você não quiser jogar com você, quem vai? Que projetos você tem em mente neste momento? Bem, para ser sincera, ainda estou desenvolvendo e explorando meu solo e quero jogá-lo cada vez mais para ver no que ele se torna. Então esse é definitivamente um projeto que carrego comigo agora. Tenho alguns projetos à espera de financiamento aqui na Eslovénia: um de teatro de objetos e um de poesia. Existem alguns espetáculos com coletivos locais de impro que estão em formação. Residências relacionadas com um coletivo de marionetistas, organizando uma ou duas turnês e, ao mesmo tempo, continuar a saltar em águas desconhecidas de outras artes performativas. A palhaçaria está no topo da minha lista agora. Fazendo um curso intensivo de 3 semanas em maio… Mas também tenho que me atualizar com outras habilidades! Não há descanso para as pessoas ímpias! Tive muita sorte nos últimos anos (reconhecendo também todos os anos de trabalho que estão por trás desse impulso), e especialmente em 2023 porque muitas portas estão se abrindo para mim no globo da impro e me sinto muito orgulhosa e grata por poder compartilhar a minha visão e expressão fora das fronteiras do que é a minha pátria. Estou animada para experimentar diferentes comunidades, perspectivas e estágios, e crescer como pessoa e como artista. E encontrar uma ou duas almas gêmeas no caminho. OK, deixei você escapar da pergunta da alma gêmea, mas você não pode escapar dessa. Quem você acha que deveríamos entrevistar? Quando foi a última vez que você se entrevistou?! Talvez você possa permitir que o público lhe envie perguntas e escolha algumas. Isso seria algo legal! Adoraria ler sobre Gerit Scholz de Viena, ou Maximillian Hansen de Uppsala, ou… a lista é longa. Mas esses dois nomes surgiram na minha cabeça quando li sua pergunta.
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por Aline Bourseau Seção coordenada por Luana Proença (luanamproenca@gmail.com)
Algumas das práticas pedagógicas comuns na América Latina que sempre me inspiraram em Teatro são as chamadas Desmontagens Cênicas ou os estudos da Genética Teatral. Uma abertura dos processos de criações onde eles são “desfeitos” parte a parte para que possamos ver como se deu a junção daquela obra. Assim, todos os meses eu vou dar espaço para grupos e artistas abrirem suas criações para uma partilha inspiradora. Se você quiser partilhar sobre o seu processo, entre em contato comigo, Luana Proença. Outro dia li em um livro de ficção sobre bruxas: “Uma mulher louca de raiva é uma mulher sábia, porque é suposto estar louca de raiva”, e isso me fez pensar em como conectamos a ideia de estar louca com a de ser realmente louca. Não defendendo os atos violentos que alguém pode cometer quando está com raiva, mas o direito de senti-la quando as coisas não são justas ou corretas para com as pessoas (qualquer pessoa). A artista brasileira Aline Bourseau, que dirige a Escola de Teatro Contemporâneo do Rio de Janeiro, Brasil, organizadora e produtora este ano do Festival e Campeonato Carioca de Improvisação, é a louca mais doce, e está escrevendo sobre sua última criação em Impro, “Improvisações Selvagens”, porque, com todo respeito, ela se cansou de “ser boazinha”. Em sua escrita, ela usou minhas orientações para a seção "Genéticas" como perguntas a serem respondidas (então ela também deu uma ideia do que pedimos nesta seção se você quiser contribuir. Obrigada, querida e imparável Aline). 1) Título e ano de estreia do espetáculo: Improvisações Selvagens (2023) 2) Referências/Ficha técnicas/artísticas (grupo, direção, etc.): Baseado no filme “Relatos selvagens” (Espanha-Argentina, 2014) Autoria e direção: Aline Bourseau Trilha: Claudia Usai Imagem e luz: Greg Soria Elenco: Aline Bourseau, Davi Salazar, Gil Guigon, Lucas Rocha, Mônica Marli, Rodrigo Amém, Sérgio Eng, Tamara Sender 3) O que é o espetáculo (sobre o que é, o que quer provocar, etc. Quase como o convite/divulgação): Uma vez me perguntaram por que “improvisações selvagens”, e a primeira coisa que me veio à cabeça foi: “porque eu cansei de ser boazinha”. “Improvisações Selvagens” é um espetáculo de improvisação teatral long form, em que partimos da premissa de que em algum momento rompemos a linha que nos separa do racional, do controlado, e passamos o limite desse civilizado, do socialmente adequado e dos códigos sociais de bom comportamento. Às vezes o nosso “selvagem” escapole. Então é um espetáculo que traz à tona esse transbordamento — em algum momento extrapolamos e cruzamos a fronteira do educado e controlado, e nos mostramos como seres imperfeitos, exibindo um lugar vulnerável, mas também intenso e sensível. Dessa forma vamos nos desconstruindo e muitas vezes nos sentimos em exaustação e até em destruição. Ao mesmo tempo, o espetáculo nos permite experimentar esse lugar da vulnerabilidade de forma intensa e isso é o que conecta a gente. Porque a demanda da perfeição é uma demanda muito manipuladora e de repente a gente se vê como refém disso. O que acontece é que muitas vezes essa perfeição nem nos pertence. Não somos seres perfeitos, a perfeição é artificial, um lugar inatingível, de insegurança, e também muito chato, que não permite erros. E por isso ela nos distancia como pessoas umas das outras. O que nos conecta é o estado mais vulnerável. É justamente aí, nesse “perder a linha”, que o espetáculo conecta todo mundo, tanto o público quanto o elenco. 4) Como foi o processo de criação (momentos importantes e decisivos, por que chegaram as eleições estéticas que chegaram, etc. O que gostaria de partilhas que possa inspirar outros processos): Bom, se alguém já tinha feito um link com o filme argentino “Relatos Selvagens”, acertou, porque o ponto inicial de inspiração foi esse filme. Assim que o vi, há muito tempo, já que o filme é de 2014, eu senti algo que me fez conectar com a improvisação, no sentido de dinâmica de cena, onde as coisas começam pequenas e triviais mas o problema vai aparecendo e crescendo e tomando um rumo absurdo e chegando a proporções gigantescas e inimagináveis — isso eu achei inspirador. Neste ano, a vontade de experimentar esse lugar intenso e absurdo e muitas vezes fora do padrão, desproporcional, caótico, às vezes bárbaro, através de uma emoção extrema, fez muito sentido para mim. Então convidei pessoas com quem amo trabalhar, pessoas que são amigas e grandes improvisadoras. Mas principalmente pessoas que se gostam, que gostam de improvisar juntas — afinal, sempre é uma escolha afetiva —, e formamos um elenco muito conectado, intenso, cuidadoso, disponível para a investigação que se anunciava. Ainda não tinha o conceito, mas tinha as premissas. Acho que começou daí, das premissas, que levaram ao conceito e só depois a uma estrutura. Quando começamos a trabalhar cenas a partir das premissas, encontramos os desafios e as descobertas de um novo tipo de improvisação: Primeiro, essa coisa de que em algum momento dentro da cena identificamos o gatilho ou disparador e apostamos nele, deixamos que ele cresça sem perder força, então a partir de um ponto não há pausas, não recuamos mais. Isso foi um desafio e exigiu bastante prática. Desenvolver um tipo de improvisação que nunca tínhamos experimentado antes, que em algum momento, na cena dramática, não há mais altos e baixos. Nesse momento a gente sobe uma montanha e vai. A gente não recua, só cresce. E isso foi aprendido e desenvolvido nesse projeto. Outra coisa foi acessarmos os lugares mais sensíveis, ou ainda mais estranhos, ou tolhidos, ou reprimidos, ou ainda não tão sexy, engraçados ou magníficos, como por exemplo uma perversão, ou um tesão, ou uma profunda tristeza. Fomos curiosos no processo de ensaio, porque algumas emoções não foram fáceis de identificar ou acessar, já que sempre foram tolhidas ou educadamente reprimidas; somos educados a controlar nossa raiva, nossa tristeza, nossos excessos — esses são lugares não desejados na vida, lugares a serem escondidos e nunca mostrados. A partir daí o conceito foi aparecendo; no auge da intensidade a gente foi se encontrando em estados meio acabados, exaustos, frágeis, expostos, e também descabelados, com as roupas amassadas ou rasgadas, a maquiagem borrada etc., então essa ideia de desconstrução começou a ficar mais forte. Desistimos de ser sempre figuras bonitas e sensuais, e nos apresentamos meio destruídas... e assim compreendemos que essa era a nossa estética. E todo mundo cada vez mais envolvido com esse processo de desenvolvimento do formato. Todo mundo muito querendo o processo e disponível. E só por isso o “Improvisações Selvagens” aconteceu! Quando foi a hora de estruturarmos o espetáculo, vimos a necessidade de termos uma cena de fechamento após a cena clímax. Então, a título de desafio, escolhi fazer a cena A seguida da cena B de cada história. Isso foi também desafiador, porque na cena A já chegamos ao ápice, e há uma transição que carinhosamente apelidamos de “freak” e logo vem a cena B como um complemento da história daquela cena. Podendo ser um desfecho ou um flasback. Outra coisa desafiadora é que a gente fala de uma irracionalidade, mas ao mesmo tempo a gente está trabalhando essa irracionalidade, a gente pensa racionalmente sobre esse lugar que escapole ao controle da razão. É um paradoxo. Mais uma coisa que acho muito importante nesse caminho de descoberta é o caos, que é uma possibilidade incrível e potente. Começamos a entender o caos como estética e como linguagem e, assim, aprendemos a improvisar nele, com uma capacidade incrivelmente potente de escuta e cumplicidade. Enfim, abraçamos e aproveitamos o caos, ou o caos já não nos assusta. Bom, assim que encontramos essa linguagem e essa estética, tudo ficou muito inspirador e a música e a luz foram junto. Temos uma trilha própria que é maravilhosa, e temos até música que só a plateia escuta durante a cena e não o elenco em cena, ou seja, o ambiente também vai sendo criado junto na hora. Assim como as luzes. 5) A estrutura/formato do espetáculo: A estrutura é composta de 4 histórias e 9 cenas, com transições selvagens, intensas e primitivas entre a cena A e a cena B de cada história. A transição ocorre do seguinte modo: os integrantes do elenco que estão na coxia, ao detectarem que a cena chegou a seu ápice em termos de emoção de alguma personagem, vão aos poucos atravessando o palco com expressões físicas exageradas dessa emoção, desse sentimento. São movimentos corporais que podem ser acompanhados de sons e até de grunhidos e palavras que se repetiram na “explosão” que acabou de acontecer. No início do espetáculo, há uma fila de bancos arrumados no palco, e cada pessoa do elenco vai individualmente entrando e desarrumando esses bancos, umas sentam, outras ficam em pé, espalhadas pelo palco, e cada uma entra com um estado emocional, uma vibe. Por exemplo: ansiosa, raivosa, sedutora, desconfiada, triste, perdida. Quando a última atriz chega, ela dá as boas-vindas e pede a alguém da plateia uma emoção ou sentimento. Em seguida, uma outra pessoa do elenco inicia um relato pessoal verdadeiro inspirado pelo sentimento escolhido, e logo as demais vão narrando as perspectivas de outras possíveis personagens desse relato. Na sequência, montamos uma foto bem-comportada como um álbum de família, vamos desmanchando essa foto e damos início à primeira história. Quando terminamos a cena B da quarta história, vamos para a cena de fechamento, que prevê um caos total, pois todas as 8 pessoas do elenco estarão em cena, e vão todas perder a linha em algum momento, e isso tem sido muito divertido. Acho que esse espetáculo, apesar de selvagem, é muito cuidadoso, somos pessoas muito cuidadosas umas com as outras no sentido de sabermos onde podemos ir com cada uma de nós e o que cada uma de nós quer. Isso nos permite uma conexão muito especial e uma cumplicidade gigante! Nós, as pessoas selvagens que somos — eu (Aline Bourseau), Tamara Sender, Davi Salazar, Gil Guigon, Mônica Marli, Rodrigo Amém, Sérgio Eng, Lucas Rocha, Greg Soria e Claudia Usai, nos sentimos muito seguras para podermos extrapolar. E isso é muito prazeroso e revigorante para a gente. “Participar das Improvisações Selvagens é pra mim como passear um passeio em dunas perto do mar, de lagoas ou de um rio. A cada cena você tem a chance, como improvisador, de começar caminhando lá no alto de uma duna, e conforme começa a descer as coisas vão saindo do seu controle e daqui a pouco você está apenas botando uma perna na frente da outra, correndo ou até rolando na areia sem se preocupar com o controle, apenas deixando acontecer até chegar num mergulho revigorante em águas deliciosas, para depois ter a sorte de começar tudo de novo.” (Gil Guigon).
Por Pamela Iturra (impro.lectora@gmail.com)
O título completo do livro deste mês é: “Improvisation for the Spirit: Live a More Creative, Spontaneous, and Courageous Life Using the Tools of Improv Comedy” (“Improvisação para o Espírito: Viva uma Vida Mais Criativa, Espontânea e Corajosa Usando as Ferramentas da Comédia de Improv”). Parece legal, certo? Por muitos anos, Katie Goodman tem ministrado workshops e retiros combinando impro com práticas espirituais para viver uma vida melhor. Impro e espiritualidade? Sim, absolutamente. Neste guia brilhante, Katie organiza as atitudes ou habilidades que podemos desenvolver para sermos melhores pessoas improvisadoras e ter uma vida mais criativa, espontânea e corajosa. Além de oferecer conceitos teóricos e ilustrá-los com histórias e anedotas, Katie também nos oferece um conjunto de atividades para cada conceito, com perguntas, experiências e desafios que permitirão que você se conheça melhor e, ao mesmo tempo, melhore sua impro. Ao ler e trabalhar neste lindo texto, entendi porque tenho a relação que tenho com minhas amizades da impro: o que nos une é muito mais que uma técnica teatral ou uma atividade artística, é uma forma de viver a experiência humana. Cada capítulo enfoca uma qualidade humana a ser desenvolvida: viver espontaneamente, estar presente, ser flexível, arriscar, confiar e desapegar, são algumas delas. Por meio de experiências de sua trajetória profissional como improvisadora ou de quem frequenta seus retiros espirituais, a autora explica como cada uma dessas habilidades, exigidas na impro, pode ser utilizada também no trabalho, nas relações pessoais e na própria vida. Através de suas perguntas, Katie Goodman nos convida a olhar para nós com honestidade e descobrir nossas trevas e limites para entender melhor quem somos e como trabalhamos como performers. Ela fala sobre as dificuldades que comumente enfrentamos na vida: competir, querer as coisas do nosso jeito, evitar tomar decisões, sentir-se em distração ou fora de foco, não confiar em nossas ideias ou ter uma boa ideia que nunca é usada e deixá-la para trás. A autora argumenta que as estratégias que usamos na impro para superar essas questões são habilidades que podemos transferir para todos os tipos de contextos e a única coisa que precisamos para adquiri-las é prática. A partir dessa ideia, o livro pode ser vivido como uma experiência, onde capítulo após capítulo você encontra exercícios e reflexões. Por exemplo, lhe convida a conhecer a sua pessoa “crítica interior”, a visualizá-la (até desenhá-la), a reconhecer as mensagens que transmite e a descobrir as origens dessas mensagens autodestrutivas para, progressivamente, transformar essa personagem em uma “treinadora interna”, uma treinadora de vida e impro que reconhece seu trabalho, seus esforços, suas conquistas e ajuda você a melhorar a cada dia. Os tópicos tornam-se cada vez mais relevantes, profundos e complexos. Há um capítulo totalmente dedicado à criatividade e às estratégias para promovê-la e encontrá-la no nosso dia a dia. Há outra seção onde ela problematiza o conceito de “esforço” e a necessidade de se reencantar com as coisas fáceis e prazerosas da vida. Em seguida, ela nos convida a identificar nossos verdadeiros desejos e manejá-los com maestria para que se tornem motor e inspiração, e não fonte de frustração. A partir daí, Katie explora o conceito de autenticidade e como ela é valiosa em qualquer trabalho performático. Agir com verdade no palco responde à oportunidade que temos de atuar com verdade em nossas próprias vidas. Também nos orienta a reconhecer as ações dos nossos egos e a compreender que a necessidade de validação e aplausos é uma parte natural da existência humana. Para finalizar o livro, a autora reflete sobre a imperfeição como parte do jogo – o jogo da impro e o jogo da vida – e nos diz que aceitar o erro é exatamente o que nos permitirá desfrutar da impro, correr riscos criativos e desfrutar liberdade. Para cumprir esta nobre tarefa, ela dá apenas um conselho: “Pratique, pratique, pratique”. Este livro foi escrito de uma forma hilariante. A caneta de Katie é criativa, irônica, direta e, acima de tudo, irreverente. É muito provável que você ria com seus exemplos e anedotas. Mas você não deve apenas lê-lo, mas também usá-lo. Este livro é em si um workshop aplicado de autoexploração e descoberta de todos os benefícios que a impro pode trazer à sua vida, para que você possa vivê-la, como diz Katie: de forma criativa, espontânea e corajosa. Leia se: - Você leva o jogo da impro para outros espaços: saúde, organização, comunidade, educação. - Impro para você é uma ferramenta para o crescimento pessoal. - Você tem interesse no espiritual. Seu principal valor: Te leva à introspecção, ao autoconhecimento, à descoberta da sua identidade, à conexão com a sua verdade. E, sem isso... o que somos nós como pessoas improvisadoras? Fato Divertido: Katie Goodman além de improvisar e ensinar, é uma brilhante comediante musical. Se você pesquisar no YouTube encontrará algumas músicas incríveis como: “Desculpe, meu bem, você é feminista”, “Me dê um homem com mais de 40 anos” e muito mais. Minhas citações favoritas: "Improv requer muita confiança. Precisamos confiar em nós mesmas como pessoas, confiar em nossas colegas, confiar no processo; basicamente, devemos confiar em todo o maldito universo... A confiança é o oposto do controle. Aprender a confiar que tudo está indo bem é uma prática." "Experimentar novas experiências, como a Improv, nos permite correr riscos e descobrir que nada de ruim acontece. A única coisa que realmente nos prejudica no longo prazo é nos contermos e ficarmos presas no medo. O medo leva a uma vida chata, tensa e vazia. Correr riscos, mesmo os menores, é uma prática que abre nossas vidas e permite alegria, criatividade e autoconfiança... A vida encolhe ou expande na proporção da coragem de alguém." "No palco, sinto que alcancei algo grande quando minha autoconsciência desaparece momentaneamente e, de repente, estou completamente presente na cena. Posso pensar rapidamente e sem esforço. Mais ideias vêm até mim que realmente se encaixam, funcionam, avançam a cena, e apoio as ideias das pessoas que são minhas colegas, tudo porque estou presente."
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