Com a autorização da revista internacional de improviso Status, Luana Proença e Davi Salazar traduzem e gravam em português o conteúdo mensal da revista.
SIM, existe uma revista mensal sobre Impro que questiona e valoriza o que fazemos, E seu conteúdo é disponibilizado em português AQUI por escrito, e em áudio em nosso PODCAST no Spotify: Revista Status - PT.
A revista STATUS é publicada mensalmente e virtualmente em espanhol, inglês, italiano e francês. Informações e assinaturas: https://www.statusrevista.com/.
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REFINANDO A TERMINOLOGIA
por Feña Ortalli
Impro. Improv. Espetáculo de improv. Teatro improvisado. Teatro de improvisação. Comédia de improv. Festivais de improv. É tudo a mesma coisa? Temos nomes diferentes para a mesma coisa ou usamos o mesmo nome para coisas muito diferentes? Impro (ou improv) é uma ferramenta ou a aplicação de tal ferramenta? Ensinamos a técnica e a filosofia da improvisação como um conceito geral a ser aplicado em qualquer coisa que as pessoas que são nossas alunas queiram? Podemos ensinar impro sem ensinar teatro? Sabemos o suficiente sobre teatro para ensiná-lo? Um espetáculo de impro é o mesmo que uma peça de teatro improvisada? Como você o "vende"? É absolutamente necessário usar a palavra impro(v) em nosso marketing? Organizamos festivais, convenções, congressos e encontros de impro? Quais são as características de cada evento? Devo pagar ou ser receber pagamento para participar desses eventos? É tudo comédia? Existem "espetáculos" dramáticos de impro? Deveríamos chamá-los de outra forma? Devemos acrescentar a palavra "dramático" em nossas estratégias de marketing? Um espetáculo/peça de impro deve ser 100% improvisado? Podemos ter algumas partes roteirizadas? Estamos traindo as divindades da impro ao fazer isso? Existem divindades da improvisação? Uma coisa é melhor do que a outra? Todas elas podem coexistir no mesmo universo? Nosso público sabe o que você quer dizer com formato curto ou formato longo? Você sabe? Isso é importante? O uso de um formato (Harold, Armando, Match, Catch) significa que você tem de jogá-lo da mesma forma que todas as outras pessoas? Devemos usar formatos já existentes ou criar nossos próprios formatos? Perguntas. Eu as adoro. Gosto mais delas do que de suas respostas. Porque elas abrem a conversa, os argumentos, para eventualmente chegar a um consenso e a definições. Respostas. Então, deixo a última pergunta. Deveríamos ter uma convenção mundial para discutir essas questões e, por fim, chegar a um consenso para refinar a terminologia que usamos em nossa comunidade?
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ROBERTO COSSA
por Feña Ortalli
Roberto "Tito" Cossa (nascido em 30 de novembro de 1934, em Buenos Aires) é um dramaturgo, diretor e roteirista argentino, reconhecido como uma das figuras mais proeminentes do teatro argentino contemporâneo. O seu trabalho tem abordado questões sociais e políticas, contribuindo significativamente para o desenvolvimento do teatro no país. Em 1957, com um grupo de suas amizades, organizou o Teatro Independiente em San Isidro, onde começou a atuar. Mais tarde, passaria da representação à escrita de peças e ao jornalismo, motivado pela sua própria timidez, que, como afirmou, "me impedia de subir ao palco como ator". Em 1964, estreou “Nuestro fin de semana”, a sua primeira peça de teatro. Seguiram-se obras como “Los días de Julián Bisbal”, “La ñata contra el libro” e “La pata de la sota”. Em 1977, estreou em Buenos Aires uma das suas produções mais conhecidas, “La Nona”. “La Nona”, um dos seus trabalhos mais notáveis, é uma comédia de humor ácido que critica a voracidade e o consumismo excessivo da sociedade através da personagem Nona, a avó, uma figura que representa o apetite insaciável e a destruição que pode surgir da busca desenfreada do prazer e do conforto. Ao longo da sua carreira, Roberto Cossa recebeu inúmeros prêmios e reconhecimentos pela sua contribuição para o mundo do teatro. O seu trabalho tem sido encenado tanto na Argentina como noutros países, solidificando a sua posição como uma figura importante no panorama teatral latino-americano. A principal contribuição de Roberto Cossa para o teatro reside na sua capacidade de abordar questões sociais e políticas contemporâneas através das suas obras, combinando uma abordagem crítica com um estilo distinto e original. As suas peças refletem frequentemente a realidade argentina, ao mesmo tempo que transcendem as fronteiras nacionais, abordando questões universais. Alguns temas recorrentes nas suas obras incluem a crítica à sociedade de consumo, a reflexão sobre a ditadura militar na Argentina (1976-1983), a exploração da família e das suas disfunções e a representação de personagens que encarnam a complexidade e as contradições da condição humana. O trabalho de Cossa visava ir além do mero entretenimento teatral, aspirando a provocar reflexões e diálogos sobre a sociedade, a política e a condição humana. A sua contribuição para o teatro argentino caracteriza-se por uma abordagem empenhada e crítica, bem como pela capacidade de abordar temas sérios de uma forma acessível e apelativa para o público. FONTES: https://es.wikipedia.org/wiki/Roberto_Cossa https://www.tiposinfames.com/autores/cossa-roberto/21005/
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DAN SEYFRIED
por Feña Ortalli
"O improvisador deve ser apenas uma ferramenta para que a história ou a arte surja"
Muitas coisas me ligam ao Dan. Nós dois gostamos de brincar nas sombras. Ambos gostamos de explorar os aspectos teatrais de nossos projetos. Ambos gostamos de viajar para festivais. Mas há uma coisa extra que não compartilho com muitas pessoas improvisadoras do mundo: nós dois adoramos futebol. Não falamos sobre isso durante esta entrevista, mas, acredite, falamos sempre que nos encontramos.
Primeira pergunta, Dan: O que você queria ser quando era criança?
Boa pergunta... Quando eu era criança, um dos meus primeiros empregos que eu queria ter era o de policial! Sim, quando penso nisso, parece errado, mas acho que naquela época eu tinha a imagem da polícia nas séries de TV, as personagens heróicas, aquelas que impediam as bandidas... Mais tarde, eu queria ser bombeiro como meu avô. Eu realmente o amava muito. Ele era muito gentil e eu tinha a sensação de que ele era o homem mais inteligente do mundo, então eu queria ser como ele! Mais tarde, eu queria ser cientista, sem nenhuma especificação, apenas cientista! E, finalmente, quando comecei a fazer teatro, eu sabia que queria ser ator.
Bem, ao se tornar um ator, você pode exercer todas essas outras profissões! Como você começou a fazer teatro?
É verdade e, com certeza, eu desempenhei todas essas profissões pelo menos algumas vezes! Comecei a fazer teatro quando tinha nove anos e o fiz porque tinha um amigo que tinha muitos figurinos e eu adorava ir à casa dele. Nós costumávamos interpretar várias personagens diferentes. Na verdade, estávamos meio que improvisando, e eu realmente gostava de fazer isso. Ele me disse que estava fazendo teatro em uma associação e que eu deveria tentar também. Então tentei, e realmente me apaixonei por essa arte! Meu primeiro papel do qual sempre me lembrarei foi Apolo, o deus grego!
Do que você gostou? Por que você continuou fazendo isso?
Pergunta interessante... Acho que, quando criança, um dos primeiros aspectos foi ter figurinos e um cenário, um cenário real, não apenas imaginação! Nunca fui fã de aprender um texto de cor, mas adorava quando a pessoa que era minha professora trazia novos trechos de texto, descobrindo o que estava acontecendo na história e sobre minha personagem. No final do primeiro ano, apresentamos nossa peça para o público, e descobri a sensação de ensaiar no cenário com os figurinos. Adorei a empolgação e o medo antes de atuar. Descobri a satisfação depois de uma boa noite e, sim, essa sensação de "agora estamos fazendo isso".
Talvez em um nível mais psicológico, acho que, inconscientemente, isso me trouxe a atenção que eu não tinha em minha família. Eu era a quinta de uma família de seis crianças, e meus irmãos mais velhos eram muito barulhentos, e meu irmão mais novo era muito enérgico, então eu sempre fui o mais calmo. Sempre foi difícil para mim chamar a atenção e, talvez, com o teatro, eu pudesse chamar a atenção, e todas as pessoas me olhariam e me veriam.
Acho que continuei fazendo isso porque me sentia cada vez mais atraído pela história, interpretando diferentes personagens, entendendo sua psicologia. Além disso, eu realmente adorava o espírito de grupo, a criação em grupo. Eu também era um grande fã da minha professora de teatro, que, para mim, era muito carismática. Ela realmente me deu a paixão de criar coisas bonitas no palco.
Você consegue identificar o momento exato em que esse hobby se tornou sua profissão?
Sim. Eu estava estudando química e não conseguia me ver como químico. Então, um dia, decidi parar e me inscrevi no Conservatório de Estrasburgo [França]. A empolgação que senti naquele dia, correndo o risco de abandonar meus estudos para seguir minha paixão, foi muito grande. Foi em 2007, na primavera, uma estação de renovação...
E como a impro entrou em sua vida?
Eu ainda fazia teatro em minha cidade natal e tinha que voltar de Estrasburgo todos os fins de semana. Eu estava um pouco cansado disso, então queria encontrar algo lá. Um amigo meu me disse que estava fazendo impro em uma associação chamada Lolita, e que era incrível. Também foi em 2007. Então, em novembro, decidi fazer a seleção que o grupo fazia todo ano para entrar no campeonato. Tive a sorte de entrar e, desde então, nunca mais parei de improvisar.
Naquela época, a cena francesa de impro estava muito ligada ao formato de Match. Essa foi sua primeira experiência?
A cena francesa de impro ainda está muito ligada ao Match.
Eu realmente amo minha experiência lá porque ela me trouxe mais do que apenas improvisação. Isso me proporcionou uma grande experiência em trabalho de associação, muito tempo de palco em um curto espaço de tempo, muitas viagens, encontros com muitas pessoas e conheci minhas melhores amizades lá. Dei minha primeira aula e até experimentei outros formatos lá.
Portanto, mesmo que não tenha sido profissional, isso me ajudou muito em meu trabalho profissional.
Por que você acha que a cena francesa ainda está tão ligada a esse formato?
Boa pergunta. Primeiro, a improvisação chegou à França por meio desse formato nos anos 80. Portanto, esse formato é a base da improvisação aqui.
Em segundo lugar, é um formato muito bom para fazer com que as pessoas se conheçam e viajem. Além disso, tem uma estrutura e regras que facilitam muito a compreensão para iniciantes ou para o público. E o público adora competições! Esse ainda é o formato que enche um teatro com mais facilidade...
E agora há Jamel Debouzze, um famoso comediante francês, que é o padrinho de uma organização nacional chamada Trophée Impro Culture et Diversité, que organiza oficinas de impro em escolas de ensino médio em toda a França. Estudantes se encontram regionalmente e depois nacionalmente, e o formato que usam é o Match! A final acontece até mesmo na famosa Comédie Française em Paris! Portanto, o Match ainda tem belos dias pela frente...
E quanto a você? Você gosta de competição?
Não, eu realmente não gosto disso. Acho que, em muitos casos, o aspecto competitivo tem mais importância do que a parte de jogar e criar em conjunto... E isso torna a impro ruim. Porque ganhar um ponto e as risadas do público aumentam o ego...
O que você mais gosta em improvisar?
Ah... sentir-me conectado no palco, encontrar o fluxo com suas parcerias e com o público... sentir e fazer com que as outras pessoas sintam emoções... a adrenalina antes, durante e depois dos espetáculos... Há muitas coisas que eu amo na impro, mas essas são as minhas favoritas!
E de quais coisas você não gosta tanto?
Não me sinto confortável com toda a parte comercial, como me vender. Também não gosto do fato de a impro ainda não ser tão reconhecida, especialmente por autoridades... e também do fato de que ser engraçada e fazer piadas ainda é a qualidade número um que as pessoas elogiam, até mesmo as improvisadoras em geral... E a prova disso é que muitas pessoas improvisadoras se tornam comediantes de stand-up agora!
Tive o prazer de jogar “Bee Swarm” duas vezes sob sua direção. E agora que você mencionou como a competição aumenta nossos egos, foi impossível não relacionar isso com a absoluta falta de ego que você sente ao trabalhar como um grupo.
Sim, esse foi um dos meus objetivos ao criar esse formato!
Eu queria que existíssemos como um grupo e somente como um grupo. Que as personagens principais se tornassem a cena, que não precisássemos ser engraçadas ou mesmo criar uma história. Podemos ser contemplativas e poéticas. E que você encontrasse alegria apenas fazendo uma flor, porque é exatamente isso que a cena precisa no momento.
Para mim, a pessoa improvisadora deve ser apenas uma ferramenta para que a história ou a arte surja. O ideal é que seja assim.
E é tão bonito quando você vê isso acontecer. Conexões verdadeiras. Descobertas verdadeiras. E então, para mim: a melhor comédia, a melhor tragédia, a melhor palhaçaria... a melhor impro!
Vamos falar sobre seus diferentes projetos. Você tem duas duplas (Origami Swan e You&Me); um trio (Anananas & Pampamplemousse); e até um quarteto (The Fraltons)! O que você busca com cada um deles? É uma maneira de explorar tons diferentes?
Sim, eu procuro formatos diferentes e energias diferentes. Gosto muito de cada um desses projetos. Em cada um deles, eu atuo de uma maneira diferente. Não apenas por causa dos formatos, mas também graças às minhas parcerias. E adoro o fato de que, graças a isso, posso descobrir ou brincar com diferentes aspectos de minha própria impro. Acho que é muito importante explorar sempre mais para crescer e aprender... E todos esses projetos também são muito diferentes do que estou fazendo em francês com meu grupo IMPRO Alsace.
Adoro jogar com todos as minhas parcerias: Alicja Dobrowolna, é óbvio, Ella Galt, Morgan Mansouri e, é óbvio, Gael Doorneweerd-Perry e Cédric Marschal, com quem tenho as conexões mais fáceis e me divirto no palco! E, é óbvio, o pessoal da IMPRO Alsace... Tenho mais projetos (risos), mas esses são os que eu mais jogo!
Ultimamente, temos visto seu nome em festivais internacionais. O que você mais gosta em participar desses eventos? Adoro descobrir pessoas improvisadoras que nunca conheci, jogar formatos que nunca joguei, especialmente aqueles que estão um pouco fora de minha zona de conforto. Eu realmente adoro estar em um grupo por alguns dias, trabalhar ou ensaiar durante o dia (para levar a sério e não apenas explicar o formato 30 minutos antes de jogá-lo) e depois jogar à noite! Adoro o espírito de equipe. Adoro estar cercado de pessoas improvisadoras por um tempo e ter uma alta dose de impro todos os dias. Adoro o fato de que, por alguns dias, posso ficar apenas no aqui e agora e não pensar no trabalho, nas faturas que tenho que pagar, etc., etc... Você se lembra de um espetáculo que realmente o tirou de sua zona de conforto? Em outubro, estive em Viena para o Momenta Festival. Naomi Snieckus e Matt Baram trouxeram Impromptu Splendor, um formato em que eles exploram um autor. E dessa vez foi Ibsen. Eu nunca o havia lido... E também, como o inglês não é minha língua materna, interpretar um autor específico em inglês não está em minha zona de conforto! Mas gostei muito e fiquei muito feliz em jogá-lo. Que projetos você tem para este ano? Este ano, estamos organizando um festival (em francês) para 2025. Também temos um projeto para criar um formato sobre Molière para escolas! Isso é empolgante porque, mais uma vez, está fora da minha zona de conforto. Estarei em Amsterdã para fazer um espetáculo com Gael e Cédric. E depois também trabalharei muito em Estrasburgo. Talvez um pouco menos de viagens este ano... Última pergunta! Quem você acha que deveríamos entrevistar? Essa resposta é pública? (risos)
Claro, mas então quero uma resposta não oficial. Por isso, darei 100 nomes, pois gosto de agradar as pessoas!
Que sorte a sua, já entrevistamos muitas. Sim! Alicja Dobrowolna, Ella Galt, Cédric Marschal, Stephen Davidson, Kaspars Breidacks e Jonathan Nguyen.
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ÉLEO
por Carol Hernández secção coordenada por Luana Proença (luanamproenca@gmail.com)
Algumas das práticas pedagógicas comuns na América Latina que sempre me inspiraram em Teatro são as chamadas Desmontagens Cênicas ou os estudos da Genética Teatral. Uma abertura dos processos de criações onde eles são “desfeitos” parte a parte para que possamos ver como se deu a junção daquela obra. Assim, todos os meses eu vou dar espaço para grupos e artistas abrirem suas criações para uma partilha inspiradora. Se você quiser partilhar sobre o seu processo, entre em contato comigo, Luana Proença.
As minhas avós são figuras muito precisas na minha vida: precisas em todos os sentidos, da necessidade à especificidade. São verdadeiramente as minhas portas de entrada para o presente, ajudando-me a perceber quem sou e de onde venho (através das gerações). Uma já faleceu e a outra está bem viva. Eu sou o seu testemunho, tal como elas são o meu e o de todas as gerações que passaram. Conexão. Digo sempre que a Impro/Teatro é o que me conecta ao mundo. Por isso, este texto de Carol Hernández pegou-me pela mão e tocou-me no coração e na curiosidade. Mais um solo onde não se está só. E um trabalho profundo da sua pesquisa original em Impro Testimonial.
ÉLEO - Unipersonal de Impro Testimonial (2023) NOTA: A Impro Testimonial é um estilo de improvisação que iniciei há 10 anos. Mistura testemunhos reais de quem improvisa com cenas ficcionais improvisadas. Estes testemunhos podem ser transmitidos através de narrativas, fotos, recriações, objetos ou documentos. Direção: Carol Hernández Assistente de Direção e Direção de Movimento: Genoveva Huerta Música: Nía Vanie Direção de Arte: Paloma Reyes de Sá Eleo é o nome artístico da minha avó Eleovina. A sua memória inspirou este espetáculo solo. "ÉLEO" é uma homenagem às histórias de família. À velhice. À nossa linhagem. É um espetáculo solo destinado à memória da minha avó mas que, em última análise, resultou na linhagem que precede a nossa história. As nossas pessoas antepassadas. Histórias de família. Fotografias. Canções sem letra mas recordadas porque foram cantadas para si. "ÉLEO" é uma homenagem à vida. Ao amor transmitido de geração em geração. À velhice. É um pouco de todas as avós e avôs do mundo. Nunca estive interessada em criar um espetáculo solo. Nunca pensei em fazer um. Não conseguia encontrar um ponto de partida. Até que a minha avó morreu. Ela criou-me. A sua morte em 2016 foi devastadora. Nasceu em mim a necessidade de contar a sua história. Por isso, em 2017, nasceu "ÉLEO", e o seu Work in Progress foi apresentado no Festival Mínimo de Barcelona. Nesse mesmo ano, eu ia fazer a versão final, mas a minha filha apareceu na minha barriga, e eu tornei-me mãe no final deste ano. A maternidade avassaladora não me permitiu pensar em terminar o espetáculo. Em 2020, senti-me preparada. A maternidade tinha enriquecido a minha perspetiva. Não queria apenas contar a história da minha avó, mas também mostrar a maternidade e falar sobre ela. Pensei num formato diferente: fazê-lo numa casa, em que cada divisão fosse uma mini-impro dirigida por uma pessoa diretora diferente. O público percorreria a casa inteira comigo. E PANDEMIA. Para o inferno com tudo. Pensei em fazer algo virtual, mas não senti o impulso necessário. No entanto, as produções virtuais permitiram-me envolver-me conscientemente com os objetos e o mundo "real" sem os objetos imaginários que normalmente mostramos na impro, e comecei a interessar-me pelo material físico da minha história pessoal, começando pelos objetos favoritos da minha avó. Durante a pandemia, iniciei também o projeto de comédia feminista Las Insolentes, pelo que explorei mais a comédia crítica e o teatro de texto. O espetáculo ficou em suspenso até 2022, quando voltei a pensar nele. Retomei lentamente; acredito que as ideias amadurecem e se transformam. Então, confiei que esses anos de hibernação do "Éleo" ajudariam a encontrar a verdadeira forma do trabalho. Eu tinha algumas coisas claras: - Queria fortalecer a minha presença em palco. Ter um corpo pronto para improvisar durante uma hora. - Queria começar por escrever. Queria que o espetáculo tivesse partes escritas e improvisadas. - Queria aprofundar a utilização de objetos para metáforas improvisadas. Utilizar os objetos da minha avó na encenação. - Queria que a cenografia "falasse" um pouco da minha avó. Queria evocar uma presença. Começamos com os dois primeiros sem ter qualquer ideia do formato ou das estruturas. Trabalhei a partir do testemunho, aprofundando a "personalidade" do espetáculo. Quando comecei a escrever, percebi que não estava a falar apenas da minha avó, mas da linhagem feminina da minha família: a minha avó, a minha mãe, a minha filha. A partir daí, comecei a trabalhar o testemunho com objetos. No que diz respeito à parte da "definição da estrutura", quis trabalhar a partir do caos. Sem um formato claro, trabalhar a partir do impulso, da desordem que aparece no meu cérebro quando as ideias estão presentes: ir de uma história para outra e pelo caminho encontrar a rota que estamos a contar. A estreia da versão final foi em Porto Rico, celebrando os 20 anos da LIPIT, e nessa sessão descobri coisas sobre o espetáculo que reafirmei numa viagem à Argentina. Senti que precisava mudar algumas coisas. Decidi trabalhar a teatralidade do espetáculo e tomamos as decisões finais para a peça: - Incorporar objetos com mais peso. - Usar as roupas da minha avó e as minhas próprias roupas para evocar as presenças das personagens que eu iria interpretar. - Criar um texto de introdução que fale das origens da minha família. - Diferenciar mais a convenção de testemunho para organizar o espetáculo. - Melhorar as perguntas feitas ao público. Isto é muito importante porque falar de avós é muito sensível. O espetáculo pretende honrar essas memórias. Tudo isto contribui para criar uma atmosfera "ritual". Nós evocamos, os objetos ganham vida e as histórias transformam-se. Durante uma hora, naquele espaço, por um momento, todas as pessoas ali reunidas recordam alguém que não está mais aqui. E honramos a sua presença neste mundo. A estrutura/formato: - Texto inicial que apresenta as origens da família. - Perguntas ao público sobre suas avós e avôs. - Canção inicial improvisada. - Histórias improvisadas (utilização de objetos, testemunhos e recursos narrativos). - Texto final de ligação entre as histórias improvisadas.
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AS QUATRO FASES
por Feña Ortalli
É interessante ver como certos padrões se repetem, como certos comportamentos se reproduzem para além das diferenças culturais, sociais ou situacionais. No nosso campo, resistente à repetição, não conseguimos escapar ao mesmo sistema de proliferação da improvisação.
Com base nesta observação, identifiquei quatro fases: O Germe, A Divisão, A Atomização e O Novo Paradigma.
Etapa 1: O Germe
Geralmente, tudo começa com uma "culpada", uma pessoa que traz a novidade, o brinquedo novo, aquela forma diferente de fazer teatro: a impro. Essa pessoa concentra o seu poder criando (e dirigindo) a primeira companhia da cidade, reunindo um grupo de entusiastas com mais curiosidade, vontade e desejo do que experiência. Através de um formato simples e eficaz, ganham pessoas seguidoras e o público começa a aderir. Passado algum tempo, o sucesso relativo e os egos desempenham um papel decisivo.
Fase 2: A divisão
O grupo começa a vacilar perante as primeiras tempestades, e as diferenças artísticas (e pessoais) desempenham um papel fundamental. Dá-se a primeira rutura e o grupo divide-se. Nasce a competição. Agora há dois grupos a competir pelo mesmo público. A competição torna-os melhores, e a diferenciação torna-se uma questão de sobrevivência. Adaptação. Reinvenção. Com o tempo, estas duas novas companhias geram o seu próprio estilo, a sua própria escola, os suas próprias turmas de estudantes, que acabarão por replicar a fórmula.
Fase 3: A Atomização
À medida que estudantes se multiplicam e as pessoas precisam de espaço para crescer, ocorre a fase de atomização, um Big Bang que expulsa grupos, alguns mais efémeros do que outros, com expectativas e resultados diversos. A impro expande-se quantitativamente (e raramente qualitativamente) até se aperceberem (normalmente mais tarde e não mais cedo) que a unidade é a força e começarem a perguntar-se o que aconteceria se quebrassem esse paradigma. Interrogam-se sobre o que está fora dos grupos aos quais pertencem, fora da sua zona de conforto.
Fase 4: O Novo Paradigma
As sociedades estáveis e rígidas dão lugar a grupos ocasionais. As pessoas começam a reunir-se com base na afinidade artística e os espectáculos começam a ganhar teatralidade, profundidade, critério e significado. O sucesso de público passa para segundo plano e o foco passa a ser a pesquisa. Improviso com pessoas que procuram o mesmo que eu. O crescimento qualitativo tem precedência sobre o crescimento quantitativo. O ciclo está quebrado.
De certeza que está a pensar em que fase se encontra a sua comunidade local. Analise seus detalhes e peculiaridades e tente identificar em qual dessas etapas evolutivas seu microcosmo de impro está. É fundamental conhecer a experiência anterior para não cometer os mesmos erros e cair nas mesmas armadilhas. Embora este processo se desenrole de forma bastante orgânica e inconsciente, também é suscetível de mudança. De quem é que depende? De si. Sim, de si. Todas nós, pessoas, somos potenciais agentes de mudança. Só temos de agir.
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