Pular para o conteúdo principal

Temporada 03 - Status#171 (Setembro/2025)

 Com a autorização da revista internacional de improviso Status, Luana Proença e Davi Salazar traduzem e gravam em português o conteúdo mensal da revista. 

SIM, existe uma revista mensal sobre Impro que questiona e valoriza o que fazemos, E seu conteúdo é disponibilizado em português AQUI por escrito, e em áudio em nosso PODCAST no Spotify: Revista Status - PT.

A revista STATUS é publicada mensalmente e virtualmente em espanhol, inglês, italiano e francês. Informações e assinaturas: https://www.statusrevista.com/





A tradução da revista é feita em linguagem de gênero neutra, sem a identificação de gênero do sujeito das orações quando generalizado. 


***********************************************************************************


OPINIÃO

A ESTRADA INFINITA

Por Fena Ortalli



Não importa há quantos anos você improvisa, quem se dedica a isso sabe que a estrada é infinita.


Quando damos os primeiros passos na impro (e na vida), não sabemos que não sabemos, simplesmente exploramos essa infinidade no escuro, sem ter consciência da sua imensidão.


Nesse momento, percebemos o quanto ainda temos que aprender e incorporar e, um pouco em sobrecarga pela situação, continuamos nosso caminho com mais dúvidas do que certezas.


Durante a etapa seguinte, não sabemos que sabemos. As ferramentas que incorporamos e as experiências que vivemos levam tempo para serem reconhecidas como nossas, e vagamos pela impro sem estar cientes do nosso conhecimento.


O fim dessa jornada deveria ser saber que sabemos, certo? Estar ciente de nossas habilidades nos permite fortalecer nossa autoestima e reconhecer nossos talentos, virtudes e sucessos.


No entanto, este é um final falso.


Porque, eventualmente, nos encontramos em uma nova fase: sabemos que nunca saberemos. Essa cura através da humildade é o que coloca tudo em perspectiva e nos revela que é impossível abarcar o infinito.



“A utopia está no horizonte. Dou dois passos, ela se afasta dois passos e o horizonte se desloca dez passos adiante. Então, para que serve a utopia? Para isso, ela serve para caminhar.”

Eduardo Galeano



**********************************************************************


BIO

HROTSVITHA

por Fena Ortalli


Hrotsvitha de Gandersheim, cujo nome significa “a voz poderosa” em saxão, provavelmente nasceu entre os anos 930 e 935 na região da Saxônia e morreu entre 973 e 1002, de acordo com diferentes relatos.


Vinda de uma família nobre, ela entrou na Abadia de Gandersheim na juventude, onde viveu como canonisa secular, fazendo votos de obediência e castidade, mas mantendo sua herança.


Dotada de uma educação excepcional para sua época, ela foi instruída primeiro pela freira Rikkardis e depois pela abadessa Gerberga — neta do rei Henrique, o Caçador —, que incentivou seu desenvolvimento intelectual e literário. Hrotsvitha tornou-se uma figura-chave do Renascimento Otônico, um movimento cultural que revitalizou a cultura latina na corte imperial alemã.


Ela compôs suas obras em latim medieval, incluindo seis comédias dramáticas que imitavam o estilo de Terêncio, mas com uma orientação cristã, destinadas a exaltar a virtude e a pureza femininas em contraste com modelos frívolos e pagãos.


Ela também escreveu oito poemas narrativos sobre temas religiosos — como lendas de santos e a vida da Virgem — e duas peças em verso que relatam os feitos do imperador Otão I e a história da fundação da Abadia de Gandersheim.


Suas obras foram concebidas mais para serem lidas do que encenadas, com o objetivo de edificar moralmente suas companheiras do convento.


Mais tarde, seus manuscritos permaneceram esquecidos até serem redescobertos em 1493 ou 1494 pelo humanista Conrad Celtes na Abadia de St. Emmeram, sendo publicados em 1501 com ilustrações de Albrecht Dürer.


Hoje, ela é reconhecida como a primeira dramaturga, a primeira historiadora e a primeira poetisa do mundo germânico, além de pioneira em oferecer uma perspectiva feminina sobre a história medieval.



FONTES:

https://www.britannica.com/biography/Hrosvitha 

https://buscador.womenslegacyproject.eu/ catalog/7563986_en  

https://en.wikipedia.org/wiki/Hrotsvitha 



**********************************************************************


ENTREVISTA

ALFONSO GARZAS

Por Feña Ortalli



“A alegria é onde reside a verdadeira essência da impro”

ALFONSO GARZAS



Alfonso é um polinizador, um espécime fundamental para a proliferação de ideias no mundo da impro. Mas ele também é uma pessoa generosa que se preocupa genuinamente com o bem-estar da comunidade e o desenvolvimento da arte. Um criador de comunidades onde quer que vá.



O que você lembra da última cena de impro que você atuou?


Foi em uma das jams que organizamos com Mylaga. Fui como participante porque uma das pessoas que é minha aluna é quem as organiza, e participei do clássico jogo “3 níveis”. A cena se passava em uma nave espacial em busca das esferas do dragão, onde se descobriu que algumas das pessoas astronautas não tinham licença. Foi uma cena muito engraçada e me diverti muito.



O que você mais gosta quando está no palco?


A diversão, a liberdade, a exploração junto com as outras pessoas improvisadoras.

A diversão, porque para mim é aí que reside a verdadeira alegria da impro. A liberdade, porque é o que realmente alimenta a criatividade na impro. E a exploração em grupo, porque leva você a resultados (e mundos) que você nunca teria alcançado só, e para mim isso é pura magia.



O que você acha que nos aproxima desse espírito lúdico e o que nos afasta dele?


O que nos aproxima? Nossa necessidade humana de brincar (que é biológica e que compartilhamos com muitos animais, especialmente os mais inteligentes), a memória de nossa infância, quando essa necessidade ainda não era reprimida ou enterrada, e a experiência dos momentos em que ousávamos brincar e nos sentíamos verdadeiramente livres.


O que nos afasta? O medo do julgamento das outras pessoas, nosso próprio julgamento, o medo do fracasso, as limitações aprendidas na forma de “regras de impro”, entre outras.



E o que foi que o levou a fazer impro pela primeira vez?


Provavelmente essas três coisas. Depois de fazer teatro com texto por anos e desistir por tédio (também conhecido como falta de liberdade), em 2010 eu assisti a um espetáculo do FESTIM da Impromadrid, no qual o grupo estava claramente livres, brincalhão e explorando. Vi que, além de fazer o público rir às gargalhadas, os próprios integrantes estavam se divertindo tanto ou mais. E me apaixonei. Algumas semanas depois, estava tendo aulas com eles e com outras pessoas docentes na cidade.



Você improvisa em espanhol e em inglês. Que diferenças você encontra ao fazer isso em um idioma ou no outro?


Por melhor que seja meu inglês, ele nunca será minha língua materna. E, como aprendi há muito tempo, no trabalho artístico, as limitações estimulam a criatividade, então, como qualquer pessoa na minha situação, eu abraço essa limitação. O que isso significa? Minhas cenas em inglês são mais universais, com menos referências culturais e mais emoções. E isso faz com que minhas cenas em espanhol também sejam um pouco assim.


Referências culturais específicas (por exemplo, uma piada sobre uma figura política nacional/local ou uma pessoa famosa do país) são rapidamente descartadas em ambientes com pessoas de muitos lugares diferentes, porque mesmo que você consiga fazê-las, grande parte do público não vai entender.


Isso já aconteceu conosco no Berlín ES Impro [grupo de Impro em espanhol sediado em Berlim], quando fizemos impro em espanhol, mas tínhamos público da Espanha, de toda a América Latina e até da Alemanha que falavam espanhol. Ninguém entendia essas “piadas”. E o mesmo acontece em qualquer festival internacional que você vá. Então, você rapidamente se acostuma a não “depender” delas e se apoia em elementos como as emoções e a fisicalidade das personagens. E isso acaba se tornando parte da sua performance.



Você participa regularmente de festivais internacionais. Você encontra diferenças semelhantes no nível dos círculos ou comunidades?


Em primeiro lugar, devo esclarecer que falar sobre “impro em espanhol” é uma grande generalização, porque a variedade é enorme, e com “impro em inglês” é ainda maior, já que também inclui muitos grupos de pessoas cuja língua materna não é o inglês.


Dito isso, acho que é possível observar, dentro da generalização, algumas diferenças: a impro em inglês, apesar do enorme peso e homogeneidade da comédia de improv dos EUA, tem mais variedade, acho que por ter sido exposta a influências e culturas mais diversas e por causa do enorme intercâmbio que ocorre em muitos festivais internacionais, onde é possível ver grupos muito diferentes com abordagens muito diferentes.


A impro em espanhol na Espanha se beneficiaria muito (e deveria valorizar) a variedade e diversidade de grupos e docentes que a impro em inglês tem, tanto na Europa quanto na Espanha (que já tem seis comunidades de impro em inglês, pelo que eu sei).



No início da entrevista, você falou sobre “as limitações aprendidas na forma de regras de impro”. Qual é a sua abordagem em relação ao uso ou não uso dessas regras rígidas ao ensinar?


Como explica a grande improvisadora Patti Stiles em seu livro “Improvise Freely” (“Improvise Livremente”), a improvisação não tem regras. Há uma série de exercícios, dicas e recomendações que, em determinado momento, podem fazer parte do caminho de aprendizagem da improv, mas não são regras.


Ao longo dos anos, e com pessoas ensinando impro sem compreender totalmente esse conceito, as pessoas começaram a falar sobre “as regras da impro” para simplificar, para buscar atalhos e certezas, ignorando que impro é aprender a conviver com a incerteza.

Isso fez com que a impro perdesse parte da liberdade e da diversão de que falamos anteriormente, ambas sacrificadas na tentativa de alcançar resultados previsíveis. Isso me enche de tristeza.


E sei que na impro em língua espanhola acontece o mesmo que em qualquer outro lugar, e é por isso que, quando li o livro da Patti, pensei: “Este livro precisa estar em espanhol!”


Felizmente, Patti gostou da ideia e (atenção, exclusivo!) estou traduzindo seu livro para o espanhol, que será publicado em alguns meses.



Há alguns anos, você se estabeleceu em Málaga. Como nasceu o Mylaga e por que você o criou?


Criei o Mylaga em 2022, quando me mudei para Málaga com a improvisadora finlandesa Jacintha Damström. Em parte para que ela pudesse fazer impro (seu espanhol na época era muito básico) e, ao mesmo tempo, para contribuir com a comunidade de impro da cidade sem competir diretamente com os grupos que já faziam impro em espanhol (Impropechá e Alikindoi).


Desde então, colaborei muitas vezes com esses grupos, mas quis manter o Mylaga porque me lembro do que começamos com o Berlín ES impro e de como era importante, para muitas pessoas falantes de espanhol em Berlim, ter uma comunidade de língua espanhola onde pudessem se sentir em casa. Quero que o Mylaga seja essa comunidade para falantes de inglês em Málaga e na Costa del Sol [da Espanha].



Como seria o seu festival ideal?


Não sei se o “festival ideal” é uma ideia que me empolga. É claro que há alguns elementos que considero básicos: uma oferta de impro de alta qualidade, mas também variada e com novos rostos, com treinamento, com momentos compartilhados onde as pessoas possam se conectar, com uma organização bem estruturada que permita que as pessoas organizem facilmente acomodações, transporte e outros serviços. Mas há uma série de decisões artísticas que é bom mudar, pois isso torna cada festival diferente e interessante à sua maneira.


Adoro, por exemplo, a qualidade e o compromisso com a inovação do ImproAmsterdam, ou o compromisso do Irreverente, em Lisboa, em incluir outras disciplinas artísticas. Também é verdade que há muitos festivais na Europa e fora dela que ainda não conheço e que adoraria participar em algum momento.



Que projetos tem em mente para esta nova temporada?


Para a nova temporada do Mylaga, além de continuar a crescer com mais cursos e continuar com espetáculos com pessoas convidadas de todo o mundo, quero começar a organizar espetáculos em inglês com pessoas que vivem aqui. Entre alguns das pessoas que são minhas alunas que já têm um nível suficiente e pessoas com experiência anterior, espero que possamos concretizar isso e entrar no caminho de fazer espetáculos regulares.


Além disso, a médio prazo, meu sonho é que a Mylaga evolua para uma comunidade de atividades culturais em inglês, onde outros tipos de atividades além da impro também tenham espaço. Isso depende mais da comunidade do que de mim, então vamos ver se conseguimos alcançar esse objetivo.



Por que você improvisa?


Porque preciso, porque me faz feliz e porque ajuda tanto a mim quanto ao meu mundo a se tornarem melhores.



**********************************************************************


IMPROLISTAS

PERGUNTAS SEMI-ÍNTIMAS

por Chris Mead


Adoro o jogo de improv perguntas semi-íntimas (criado pela lendária Shannon Stott e apresentado a mim pelo brilhante improvisador e dramaturgo Stephen Davidson). 


Trata-se de fazer perguntas que vão além das conversas triviais comuns. Ao longo dos anos, colecionei um grande número delas dos meus alunos.


Aqui está uma lista das minhas favoritas.


Você pode usá-las como sugestões para cenas, especialmente em formatos em que as personagens fazem monólogos para o público... e elas também são divertidas fora da improv, em festas ou viagens longas, para permitir que as pessoas se conheçam melhor.


ATENÇÃO: pessoas diferentes têm concepções muito variadas do que é semi-íntimo.


- Qual é a história do seu nome?

- Qual é a melhor refeição que você consegue preparar do zero?

- Você já roubou alguma coisa e, se sim, o que foi? Te pegaram?

- Você tem alguma cantada que realmente funcionou?

- Como você realmente se sente em relação à sua situação atual?

- O que te levou a escolher a pessoa que é sua parceira atual? 

- Por que você escolheu o lugar onde mora?

- Qual separação te deixou mais triste?

- Existe algum cheiro que te transporta de volta à sua infância?

- Quando foi a última vez que você chorou?

- Qual foi a pior coisa que você já fez em um relacionamento?

- Quais tarefas domésticas você mais odeia? 

- Entre seu pai e sua mãe, de quem você mais gostava?

- Existe algo que você finge gostar, mas na verdade não liga para isso?

- Você já devolveu algum prato em um restaurante? O que havia de errado com o prato?

- Você já teve o coração partido?

- Qual é o seu maior medo ilógico?

- Qual é a coisa de que você mais se orgulha em relação a si?

- Você continuaria fazendo o que faz se dinheiro não fosse um problema?

- Qual foi a coisa mais embaraçosa que você já fez no trabalho?

- Além de água, o que você coloca na sua banheira?

- Se pudesse fazer tudo de novo, como você criaria suas crianças de maneira diferente?

- Qual peça de roupa você gostaria de poder usar com confiança?

- Você tinha um par de sapatos favorito? O que havia de especial nele?

- Conte-nos sobre a última vez em que você ficou tão em êxtase que precisou contar para alguém imediatamente.

- Que papel, no palco ou na tela, você mais gostaria de interpretar? (pode ser algo específico ou um tipo genérico de personagem)

- Existe algum livro que você lia repetidamente quando era criança?

- Quando você era adolescente, você tinha um emprego e o que ele lhe ensinou sobre a vida?

- Quem foi a sua pessoa professora favorita do ensino fundamental?

- De qual membro da sua família você tem mais medo?

- Você já teve problemas com a polícia?

- Você está onde imaginava que estaria nesta idade?

- Você gosta do seu trabalho e por quê?

- Qual é a sua lembrança menos favorita da infância?

- Sua vida tem um propósito maior?

- Qual docente você mais se lembra e por quê?

- Qual é a sua comida favorita para se sentir confortável?

- Você se lembra de quando teve sua primeira discussão séria com sua mãe ou seu pai?

- Qual foi a sua mais recente descoberta importante sobre si?

- Quando foi a última vez que você teve vontade de socar um travesseiro?

- O que tornava seu animal de estimação de infância único?

- Que refeição te lembra mais a sua infância?

- Em que década você foi mais feliz?

- Qual momento do seu passado você lamenta e o que você teria feito de diferente?

- O que te motivou a começar a fazer improv?

- Você faria maldades por um dia se isso fosse legalmente permitido?

- Onde você cresceu?

- Quais pessoas, vivas ou mortas, você convidaria para um jantar?

- Qual é o seu doce favorito? 

- Você confia em si?

- Qual é o seu filme favorito?

- Quais são as cinco coisas que você quer fazer quando crescer?

- Do que você tem medo?

- Se você pudesse fundar uma seita, qual seria o seu tema? E quais seriam os seus principais rituais?

- Como você se sente ao acordar?

- Como seria a aposentadoria perfeita para você?

- Para onde você vai em seus devaneios?

- Em que momento da sua vida você decidiu por um corte de cabelo?

- O que você guardou de um relacionamento ou emprego anterior?



**********************************************************************


GENÉTICAS

IN THE SPIRIT OF GHIBLI

por Rocío Barquilla

Seção coordenada por Luana Proença (luanamproenca@gmail.com)


Algumas das práticas pedagógicas comuns na América Latina que sempre me inspiraram em Teatro são as chamadas Desmontagens Cênicas ou os estudos da Genética Teatral. Uma abertura dos processos de criações onde eles são “desfeitos” parte a parte para que possamos ver como se deu a junção daquela obra. Assim, todos os meses eu vou dar espaço para grupos e artistas abrirem suas criações para uma partilha inspiradora. Se você quiser partilhar sobre o seu processo, entre em contato comigo, Luana Proença.


Algumas coisas nos perseguem. Às vezes (muitas vezes) não conseguimos identificar o que são. Uma música, uma pintura, uma ideia, uma imagem, um tema, uma frase, um sabor, um sentimento... algo nos pede para transformá-lo em arte. Grita sem nos dizer o quê ou por quê. E então... um convite à aventura, como na jornada heróica, algo que nos chama para ir, e algo que não temos. Mas nós tínhamos, nós temos. Ela nos olha nos olhos, torna-se o que deve ser — se permitirmos. (Isso foi muito Ghibli da minha parte.) E esse é o tipo de conversa que Rocío tem quando você se senta para conversar sobre arte com ela. Eu faço isso quando posso. Sempre gosto muito. E este mês, ela compartilha seu espírito Ghibli.



IN THE SPIRIT OF GHIBLI (NO ESPÍRITO DE GHIBLI)


Este formato nasceu este ano graças ao Festival Internacional de Improviso de Lisboa, Irreverente 2025.


Como uma bolha que se infla lentamente, “In the Spirit of Ghibli” surgiu de um bloqueio emocional em relação à improv que me assombrava há alguns anos. Depois de subir ao palco, produzir espetáculos, dar aulas e dirigir uma escola de improv dia após dia, senti que o espaço para fazer improv sem expectativas estava diminuindo até me sufocar. A improv se tornou uma obrigação sem espaço para improvisação, apesar de me sentir muito sortuda!


Então, as inscrições para o Irreverente foram abertas, e a ideia de [tema] “mundos imaginários” me inspirou. As pessoas que me conhecem sabem que uma parte da minha alma é 100% japonesa, por isso falo o idioma, fui para lá em um programa de intercâmbio há muito tempo e minha zona de conforto é muito kawaii. Então, pensando em mundos imaginários, comecei a destilar tudo o que gosto no Studio Ghibli em pequenas gotas conceituais que anotei no chat que tenho comigo mesma no WhatsApp: “Animal espiritual”, “não toque porque o toque é transição”, “movimento coletivo”, “cenas comuns com toques extraordinários”, “exploração do mundo”, “sem palavras”...


O processo de criação desse formato foi um dos mais bonitos pelos quais já passei, com o espírito do que eu queria criar se misturando com o próprio processo de criação. Para ser sincera, durante o festival, eu ainda estava sendo inundada por essas gotas conceituais. Embora em outro momento isso pudesse ter me estressado, eu experimentei isso como um processo muito natural, em que cada peça encontrou lentamente seu lugar, sem pressão. O formato em si é uma coleção de cenas quase oníricas que fluem e refletem momentos tanto do nosso mundo comum quanto de mundos extraordinários, como os do Studio Ghibli. Por meio da pintura coletiva de cenas e sons, são criadas realidades onde algo pode ou não acontecer, mas onde sempre há movimento e interação.


Desde o início, eu sabia que não queria criar um formato narrativo, porque um dos aspectos que mais amo nos filmes do Ghibli é que as personagens vivem em mundos onde a tradição não é explicitamente explicada; criando histórias onde o enredo e a construção do mundo se fundem. Afinal, quando a lógica é introduzida, às vezes é difícil continuar criando a partir da liberdade do movimento e da brincadeira sem sentido.


Em nível dramatúrgico, eu queria criar uma atmosfera surreal; uma maneira de construir cenas coletivamente que surgisse do compromisso, da generosidade e da brincadeira física. Em nível de performance, eu queria que o público conectasse os pontos e deduzisse (ou não) sua própria história. Para conseguir isso, decidi estabelecer dois elementos permanentes no formato: a protagonista e o animal espiritual. Um dia, a ideia de uma introdução e um encerramento surgiu na minha mente, permitindo-me ancorar esses dois elementos no formato, tanto para o público quanto para quem improvisava.


Por um lado, o animal espiritual é o guia que proporciona continuidade ao longo do espetáculo; ele aparece em todas as cenas e pode ser interpretado por qualquer pessoa improvisadora, habitando tanto o mundo comum quanto o extraordinário, e fazendo parte do fundo ou do foco de uma cena. Por outro lado, a protagonista é a representação do público no palco e nem sempre precisa estar fisicamente presente; ela habita o mundo comum, mas dentro dos mundos extraordinários ela embarca em uma exploração, interagindo e descobrindo, ao lado do público.


A conexão entre esses dois elementos é o início e o fim do espetáculo, como explicarei a seguir.


O formato em si é simples, ou pelo menos é o que eu acho. O público é convidado a sugerir um animal, que se tornará o animal espiritual do espetáculo. Na introdução, todas as pessoas que vão improvisar exploram a fisicalidade do animal até encontrarem uma maneira simples de incorporá-lo que qualquer pessoa possa copiar. Uma vez estabelecido o animal espiritual, as improvisadoras, a música e as luzes entram em um caos até que apenas uma pessoa permaneça no palco. Essa pessoa muda lentamente da fisicalidade do animal espiritual para a protagonista (humana). Essa improvisadora é a única que pode interpretar a protagonista, e é escolhida pela pura aleatoriedade do caos.


Em seguida, cenas livres e sem limite de tempo acontecem, guiadas por algumas regras simples:


Primeiro, há três tipos de cenas que podem acontecer: 

1. Mundo comum onde algo extraordinário acontece (mas ninguém percebe, exceto a protagonista);

 2. Mundos extraordinários em sua vida cotidiana; 

3. Mundos extraordinários sendo explorados pela protagonista.


Para fornecer exemplos dos conceitos por trás desses tipos de cenas, eu queria que elementos extraordinários fossem introduzidos em nosso mundo sem gerar resistência, como acontece em “Ponyo”. Além disso, assim como em “A Viagem de Chihiro”, eu estava muito interessada em ver o dia a dia de mundos extraordinários, explorando como os seres habitantes viveriam e interagiriam. Ao mesmo tempo, adorei a ideia de explorar um mundo extraordinário através dos olhos de Nausicaä do “Vale do Vento”.


Em segundo lugar, as transições entre as cenas acontecem quando qualquer pessoas improvisadora toca outra e elas congelam nesse toque. Então, o resto dos elementos no palco começam a correr em círculos até que o palco fique vazio e outra cena surja. Esse foi talvez o elemento mais difícil de acertar, já que é normal nos tocarmos no palco e, às vezes, não ficava claro se o toque era parte da interação ou uma transição intencional. 


Independentemente disso, o efeito é cativante e ajuda a criar essa atmosfera onírica, já que a coisa mais terrena (o toque) dissolve as cenas como se fossem uma ilusão. Por outro lado, os únicos elementos que não podem se tocar durante o espetáculo são o animal espiritual e a protagonista, porque se se tocarem, isso sinaliza o fim do espetáculo.


Terceiro, todo o espetáculo é sem palavras. Os elementos da peça são a pintura de cenas com o corpo e a voz, criando objetos, flora, fauna e seres. Tudo gira em torno da criação coletiva: copiar, contrastar e seguir. Conectar, apoiar, comprometer-se. E, acima de tudo, divertir-se explorando. Esses foram os elementos que estruturaram a oficina mista e, a partir desse estado de brincar, surgiu um belo espetáculo.


Para o final, eu precisava de um momento de ruptura, já que as cenas são cheias de movimento e, às vezes, até caóticas. Sem palavras, as cenas são preenchidas com muita pintura sonora e os sons de seres extraordinários, então, quando o animal espiritual e a protagonista se olham nos olhos, se aproximam e se tocam, tudo no palco congela e fica em silêncio, incluindo a música e as luzes. É um momento íntimo de conexão, e uma dança começa: a fisicalidade de ambas as personagens se mistura até que se tornam uma novamente, como na introdução. Então, elas produzem som juntas, o que coloca tudo em movimento para retornar ao caos inicial, terminando em um apagão.


A viagem aconteceu e, esperamos, o público tenha voltado à realidade.


Devo acrescentar que, no nascimento deste formato, ocorreu também uma surpresa maravilhosa: André Sobral [uma das figuras da direção artística do Irreverente] ofereceu-me a oportunidade de ter uma artista a desenhar durante o espetáculo em tempo real e, quando o espetáculo terminou, foi projetado no palco um time-lapse do seu trabalho. Que grande presente para o espetáculo!


Como tudo que nasce da sincronicidade, espero que esse formato possa continuar a evoluir e se inspirar na imaginação, colaboração e diversão de muitas pessoas improvisadoras. 


Agradeço a Phil Lunn como diretor musical, Joanna Rosa por sua arte e às doze corajosas pessoas improvisadoras que se aventuraram a se juntar à minha equipe de mixagem e materializar esse sonho no Irreverente. Arigatou gozaimasu!


E se você quiser experimentar com sua comunidade de improvisação, me avise!




**********************************************************************


IMPROLECTORA

UCB COMEDY IMPROVISATION MANUAL 

por Pamela Iturra



O que mais amo na improv são os formatos longos. É tão mágico e prazeroso passar cerca de uma hora assistindo a um grupo de artistas construir uma obra teatral diante dos seus olhos a partir do zero... ainda mais a sensação de fazer parte desse grupo, de ser aquela pessoa que sobe ao palco sem ter ideia do que vai acontecer e desce tendo criado um mundo que não existia, junto com suas parcerias... uau, essa sensação é impossível de explicar. O que pode ser explicado é a técnica por trás dessa magia.



O LIVRO


The Upright Citizens Brigade Comedy Improvisation Manual (UCB) - (Manual de Improvisação Cômica da UCB) - é um livro publicado em 2013 pelo Comedy Council of Nicea, com uma segunda edição em 2022. Atualmente, é reconhecido como um dos manuais mais completos sobre improvisação teatral de formato longo. Ele compartilha técnicas e diretrizes para o desenvolvimento da improvisação de formato longo, conforme ensinada e realizada nos teatros da UCB, cujo conceito central é “O Jogo da Cena”.


O livro tem três seções e treze capítulos. Na primeira, O Início da Cena, ensina como estabelecer uma realidade básica. A segunda seção explica o conceito do Jogo da Cena: como encontrá-lo, intensificá-lo, usá-lo coletivamente e como o Jogo da Cena se conecta com personagens, espaço e movimento. A terceira seção enfoca a estrutura do formato longo, principalmente o “Harold”, detalhando como começar com uma sugestão do público, abordar a abertura do espetáculo, os atos e os jogos em grupo entre eles. Também analisa outros formatos de formato longo e fornece orientações para ensaios e preparação para apresentações.


É um guia muito completo, detalhado e claro. Utiliza uma linguagem simples e direta, com inúmeros exemplos e algumas ilustrações e diagramas que facilitam a compreensão. Inclui uma grande variedade de exercícios explicados passo a passo. No final de cada capítulo, oferece um resumo das ideias principais. É um livro que fornece muitas informações em um formato fácil de seguir, convidando à prática e ao treinamento em grupo. Apresenta inúmeros elementos fundamentais da improvisação, tornando-o um excelente material para quem está começando na improv de formato longo ou para docentes que vão trabalhar com grupos iniciantes. Ao mesmo tempo, fornece um guia claro sobre conceitos mais complexos, para pessoas improvisadoras avançadas que desejam se aprofundar na performance de formato longo e aprender o estilo e a marca registrada de uma das companhias de improv mais influentes da cena contemporânea.



AS AUTORIAS


A Upright Citizens Brigade é uma companhia de teatro e escola fundada em 1996 em Nova York. Foi uma das primeiras na cidade e se tornou uma das mais influentes na história da improv [nos EUA]. Hoje, ela também tem um espaço em Los Angeles e, em ambos os locais, oferece uma ampla gama de atividades: improv, esquetes, stand-up, entre outras disciplinas relacionadas à comédia. Muitos grandes nomes de artistas de teatro, cinema e televisão nos Estados Unidos passaram pela UCB.


Três das pessoas que foram suas fundadoras são autoras deste livro: Matt Besser, Matt Walsh e Ian Roberts, que, após 30 anos de experiência em improv, decidiram colocar em prática seus extenso conhecimento e crenças sobre a arte. O centro de treinamento da UCB é reconhecido internacionalmente por ter um currículo altamente estruturado para o ensino da improvisação de formato longo, baseado no Jogo da Cena. Este livro é a materialização desse currículo.



CINCO RAZÕES PARA LÊ-LO


1. Você poderá complementar seu trabalho aprendendo a improvisar no estilo de uma das companhias mais famosas do mundo.


2. Você encontrará inúmeros exemplos, descrições de cenas, ajustes de cenas, etc.


3. Você não só encontrará orientações sobre o que fazer no formato longo, mas também ideias claras sobre o que não fazer e por que não é recomendável.


4. Ele permite que você aprenda (ou revise) o formato longo do zero, oferecendo tanto os conceitos mais básicos e fundamentais quanto orientações e critérios muito específicos para as cenas.


5. Se você é docente, encontrará vários exercícios para cada habilidade necessária no formato longo.



VISÃO GERAL


“Depois que você e sua parceria de cena estabelecerem a realidade básica da cena, vocês estarão prontas para encontrar e jogar o Jogo da cena. O Jogo é o que há de engraçado na sua cena. É um padrão consistente de comportamento que rompe com os padrões esperados de nossas vidas cotidianas. A chave para encontrar e interpretar o Jogo é identificar a primeira coisa incomum em uma cena, a primeira informação que rompe com o padrão da vida normal. Uma vez que isso tenha sido descoberto, as pessoas improvisadoras passarão do ‘Sim... E’ para o ‘Se... Então’. Com o Sim E, concordávamos com as informações apresentadas e adicionamos novas informações para desenvolver uma realidade básica. Uma vez que a coisa incomum foi encontrada, não precisamos mais desenvolver uma realidade básica; precisamos ser engraçadas. Responder repetidamente à pergunta ‘Se essa coisa incomum é verdade, então o que mais é verdade?’ cria um padrão cômico.”


“Uma grande vantagem do Jogo é que você sabe o que funciona, então não precisa usar de muita criatividade... Com um jogo, você coloca limites nas escolhas que pode fazer e, ao fazer isso, alivia sua carga cognitiva. O Jogo torna mais fácil ser engraçada em uma cena longa, forçando você a se concentrar em uma única ideia cômica. Sua natureza é tirar opções para que você e sua parceria de cena não precisem ficar procurando coisas incomuns e engraçadas. Ter um Jogo em sua cena é a coisa mais próxima da improvisação que se tem de um roteiro. Você não precisa quebrar a cabeça para pensar em coisas engraçadas para dizer. Agora você tem um método que lhe fornece coisas engraçadas para dizer.”



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Temporado 2 - Status #164 - Fevereiro de 2025

Com a autorização da revista internacional de improviso Status, Luana Proença e Davi Salazar traduzem e gravam em português o conteúdo mensal da revista.  SIM, existe uma revista mensal sobre Impro que questiona e valoriza o que fazemos, E seu conteúdo é disponibilizado em português AQUI por escrito, e em áudio em nosso PODCAST no Spotify:  Revista Status - PT. A revista STATUS é publicada mensalmente e virtualmente em espanhol, inglês, italiano e francês. Informações e assinaturas:  https://www.statusrevista.com/ .  A tradução da revista é feita em linguagem de gênero neutra, sem a identificação de gênero do sujeito das orações quando generalizado.   ***********************************************************************************   OPINIÃO IMPROVISO SOB A AREIA por Feña Ortalli No último fim de semana de janeiro, viajei para Barcelona para assistir a uma peça raramente apresentada de Federico García Lorca: “ El Público” (“ O Público” ). A produção, part...

Temporada 2 - Status #163 (Janeiro 2025)

Com a autorização da revista internacional de improviso Status, Luana Proença e Davi Salazar traduzem e gravam em português o conteúdo mensal da revista.  SIM, existe uma revista mensal sobre Impro que questiona e valoriza o que fazemos, E seu conteúdo é disponibilizado em português AQUI por escrito, e em áudio em nosso PODCAST no Spotify:  Revista Status - PT . A revista STATUS é publicada mensalmente e virtualmente em espanhol, inglês, italiano e francês. Informações e assinaturas:  https://www.statusrevista.com/ .  A tradução da revista é feita em linguagem de gênero neutra, sem a identificação de gênero do sujeito das orações quando generalizado.   **************************************************************** OPINIÃO MEU DESEJO PARA 2025 por Feña Ortalli O fim do ano chegou, trazendo consigo a inevitável reflexão sobre o que aconteceu e, ainda mais inevitavelmente, a lista de desejos e resoluções para o próximo ano. No entanto, minha intenção não é fa...

Temporada 2 - Status #165 (Março 2025)

  Com a autorização da revista internacional de improviso Status, Luana Proença e Davi Salazar traduzem e gravam em português o conteúdo mensal da revista.  SIM, existe uma revista mensal sobre Impro que questiona e valoriza o que fazemos, E seu conteúdo é disponibilizado em português AQUI por escrito, e em áudio em nosso PODCAST no Spotify:  Revista Status - PT. A revista STATUS é publicada mensalmente e virtualmente em espanhol, inglês, italiano e francês. Informações e assinaturas:  https://www.statusrevista.com/ .  A tradução da revista é feita em linguagem de gênero neutra, sem a identificação de gênero do sujeito das orações quando generalizado.   ***********************************************************************************   OPINIÃO COLOQUE OS ÓCULOS (ROXOS) por Fenã Ortalli O gênero de atletas influencia a percepção de qualidade por parte de quem assiste? Essa foi a pergunta feita por uma equipe de pesquisa da Universidade de Zurique. A r...